Título: Protecionismo americano é ameaça para economia global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/08/2010, Opinião, p. A12

O governo dos Estados Unidos anunciou, na semana passada, 14 propostas para reforçar seus instrumentos de combate à concorrência desleal, representada por subsídios e importações a preços abaixo do custo (dumping). É legítimo que o governo de Barack Obama queira impor salvaguardas adicionais contra importações predatórias, mas não deveria cair na tentação de, em meio à queda de sua popularidade e diante de uma eleição legislativa particularmente difícil, usar esse aparato meramente com fins políticos.

O secretário de Comércio dos EUA, Gary Locke, anunciou medidas que, na prática, facilitam a aplicação de punições contra importações tidas como desleais. A partir de agora, será adotada uma fórmula mais simples e direta para calcular subsídios e dumping. Isto permitirá que o Departamento de Comércio identifique mais rapidamente essas práticas e, também de forma célere, aplique medidas restritivas às importações.

O ativismo do governo americano nessa área não é recente. Produtores brasileiros de suco de laranja e aço, por exemplo, foram vítimas de ações desse tipo no passado - com o tempo, constatou-se que as salvaguardas tinham o único objetivo de proteger setores ineficientes da economia americana. A crise mundial e a agressividade comercial da China têm levado as autoridades dos Estados Unidos a recorrer cada vez mais ao uso dessas medidas unilaterais.

Em 2009, o Departamento de Comércio iniciou 34 novas investigações antidumping, um crescimento de 79% nesse tipo de iniciativa em relação a 2008. A China tem sido o principal alvo das investigações. É com aquele país asiático que os EUA acumulam o maior déficit de sua balança comercial - apenas no mês de junho, o saldo negativo foi de US$ 26,2 bilhões.

Ao anunciar as novas medidas, o secretário Gary Locke disse que elas são desdobramento de uma iniciativa maior lançada há alguns meses pelo governo Obama - dobrar as exportações no prazo de cinco anos. O objetivo, além de gerar emprego e renda dentro do mercado americano, é diminuir o déficit comercial.

Não é novidade para ninguém que os Estados Unidos têm a economia mais aberta do mundo. Sua tarifa média de importação se situa entre 2% e 3%, face a 14%, por exemplo, da média tarifária aplicada pelo Brasil. Produtos industrializados, em sua grande maioria, entram nos EUA com alíquota zero. Os americanos costumam ser protecionistas em relação a produtos agrícolas e a setores da indústria pouco competitivos, como o siderúrgico.

Sendo, a exemplo do Brasil, um país com baixa taxa de poupança doméstica (13,6% do PIB, entre 2002 e 2007, segundo o Banco Mundial), os EUA importam capitais em volumes altíssimos para financiar seu crescimento. O comércio com o exterior é historicamente deficitário. Nos anos 90 do século passado, quando a economia americana registrou o período de maior prosperidade de sua história, e na primeira década do século XXI, os déficits cresceram de forma explosiva.

Em 2006, por exemplo, o saldo comercial dos EUA atingiu a impressionante marca de US$ 759,2 bilhões negativos. No ano passado, graças à crise internacional, caiu para US$ 374,9 bilhões. No primeiro semestre deste ano, quando a economia esboçou um início de recuperação, voltou a subir e chegou a quase US$ 250 bilhões.

Por causa da crise, a taxa de desemprego nos EUA neste momento está em 10%. Há um clamor popular por medidas de geração e proteção do emprego. O alvo das críticas é a China, que, com taxa de câmbio desvalorizada e concessão de inúmeras outras vantagens a seus produtores, inunda o mercado americano com seus produtos. Há dois meses, a China anunciou mudanças no regime cambial, mas o que se viu desde então foi uma pequena, quase imperceptível, valorização do yuan.

A aplicação de salvaguardas contra práticas desleais de comércio é algo permitido pelas regras que regem o funcionamento do comércio internacional. O problema é o uso desse recurso de forma indiscriminada, para atender objetivos políticos. Num mundo instável e ainda às voltas com as feridas abertas pela recente crise econômica, uma onda protecionista em nada contribuirá para colocar a economia mundial de volta aos trilhos.