Título: Avanços na viabilização da expansão do setor elétrico
Autor: Queiroz , Caio
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2010, Opinião, p. A14

A Lei nº 11.943/09, que autorizou a participação da União, dos Estados e do Distrito Federal no Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica (FGEE) e a autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN) para aumentar o limite de colocação de garantias por parte das estatais representam avanços significativos no sentido de viabilizar a expansão e a segurança do setor elétrico brasileiro.

O Fundo é destinado a prestar garantias proporcionais a participações minoritárias, diretas ou indiretas, de empresa estatal do setor elétrico, em sociedades de propósito específico (SPE), constituídas para empreendimentos de exploração da produção ou transmissão de energia elétrica, constantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Empreendimentos de energia demandam investimento de monta e são essenciais para o desenvolvimento social e econômico. E os desafios que se apresentam atualmente no Brasil tanto na geração quanto na transmissão de energia elétrica são colossais.

Se o "novo modelo do setor elétrico" adotado, em 2004, não foi capaz de atrair os investimentos privados necessários para garantir a expansão e a segurança do sistema, o Estado tem a obrigação de criar novos mecanismos para viabilizar projetos, ou de fazê-los diretamente, por meio de investimentos diretos ou indiretos. E foi a postura adotada no megaprojeto de geração de energia de fonte hídrica na Bacia Amazônica, Belo Monte, no qual a Eletrobrás assumiu a liderança no consórcio formado.

Nesse sentido, o Fundo surge como uma importante ferramenta para o fim da implantação de novos empreendimentos no setor ao tornar possível às empresas estatais conceder garantias contratuais. Os grandes projetos de geração têm sido capitaneados por consórcios que reúnem investidores privados, empreiteiras e empresas de energia, privadas e públicas, que precisam atender às mais diferentes demandas que são intrínsecas a empreendimento estruturantes, normalmente seguindo os moldes de um "project finance".

Os últimos projetos com participação do BNDES, como Jirau e Santo Antônio, no complexo hidrelétrico do Rio Madeira, exigiram a contratação de diversas garantias em benefício dos financiadores em face dos riscos do projeto. Também foi assim na Parceria Público Privada (PPP) da Linha 4 do metrô de São Paulo, no qual títulos do governo que foram alocados em um fundo separado, o qual foi empenhado em favor da SPE, para garantir os pagamentos devidos pelo Estado de São Paulo.

Em projetos estruturantes na área de energia, portanto, o FGEE pode ser de grande valia, em vista da efetiva participação das estatais, com destaque para a Eletrobrás e suas subsidiárias, na expansão do sistema elétrico. É importante lembrar que as empresas estatais controlam, atualmente, mais da metade da capacidade instalada, em termos de geração e transmissão de energia, e não seria razoável imaginar que a expansão do sistema ficasse à margem da sua participação, especialmente se considerarmos as mais recentes declarações e iniciativas do governo federal.

Note-se que não se está aqui propondo a perpetuação ou preponderância absoluta de um modelo dirigista, mas apenas reconhecendo a importância do Estado no desenvolvimento do setor e a necessidade de compatibilizar os interesses privados e públicos, com o objetivo de perseguir a segurança do sistema elétrico. O Fundo tem o condão de harmonizar tais relações, a fim de conferir mais segurança e viabilizar outros novos e gigantescos projetos de geração e transmissão, para a exploração do potencial de geração de energia elétrica na Bacia Amazônica.

Apesar de existirem questionamentos jurídicos quanto à legalidade da constituição de fundos garantidores, em vista da afetação de bens públicos que não seriam suscetíveis de penhora, muitos projetos de financiamento com participação estatal dependerão de tal mecanismo para sair do papel. No caso de Belo Monte, os estudos e inventários iniciais foram elaborados há mais de 20 anos sem que a efetiva estruturação do projeto fosse realizada.

A negociação do pacote de garantias constitui uma parte bastante intrincada no contexto do financiamento de um projeto, podendo acarretar o aumento ou a diminuição significativa dos seus custos e, em última análise, afetando a modicidade tarifária, que constitui um dos principais objetivos dos leilões de energia nova, segundo as diretrizes do novo modelo do setor elétrico. Com efeito, o governo federal insistiu no modelo de leilão, competitivo por excelência, para o projeto de Belo Monte, apesar de a participação da iniciativa privada ter sido fragmentada e menos relevante do que a estatal.

Tais técnicas contratuais servem ao objetivo de encorajar empreendedores privados a tomar os elevados riscos e captar os investimentos necessários para empreendimentos em infraestrutura. O Direito deve servir ao desenvolvimento do país e normas que garantam o retorno e estimulem os investimentos são imprescindíveis. Nesse contexto, é de vital importância a autorização legal concedida às estatais, facilitando a concessão de garantias, para o fim de mitigar riscos de projeto ou de governo.

Nos próximos anos o Brasil deve vivenciar uma nova fase no tocante à sua infraestrutura, com um grande número de novos projetos de financiamento, segundo as estimativas do BNDES, que devem incluir a participação de estatais, como a Eletrobrás, especialmente nos maiores projetos do setor elétrico.

Com efeito, é salutar que o arcabouço regulatório e demais instrumentos legais tenham a capacidade de induzir investimentos com segurança jurídica, afastando riscos políticos e institucionais, garantindo ao País posição de destaque no cenário internacional. Sem dúvida, a expansão e segurança do sistema elétrico agradecem.

Caio de Queiroz é advogado em São Paulo, graduado e especialista em Direito Empresarial pela PUC-SP