Título: Copom aposta na suspensão do ciclo de aperto monetário
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/09/2010, Opinião, p. A18

Apesar dos sinais de retomada da economia, após o esfriamento do segundo trimestre, o Comitê de Política Monetária (Copom) resolveu manter a taxa básica de juros (Selic) estável em 10,75%, quarta-feira, confirmando a decisão de interromper o ciclo de aperto monetário.

A manutenção da Selic é sinal positivo, que estimula o investimento produtivo. O juro influi nas decisões das empresas, na demanda de bens e tem impacto na dívida pública. Apesar disso, o Brasil continua no primeiro lugar do ranking mundial de juros reais.

Os membros do Copom deliberaram por unanimidade, movidos essencialmente pelos indicadores de inflação e pelo efeito "desinflacionário" do cenário externo. Em comunicado após a reunião, o Copom afirmou não esperar "que o nível de inflação registrado nos últimos meses se mantenha em um futuro próximo". O comitê acredita na "continuação do processo de redução de riscos para o cenário inflacionário que se configura desde sua penúltima reunião", e que a manutenção da taxa de juros básica no nível estabelecido em julho "proporciona condições adequadas para assegurar a convergência da inflação para a trajetória de metas".

De fato, em abril, quando começou o aperto monetário, o IPCA havia subido 0,57%. Mas, em junho, o índice não variou e, em julho, subiu apenas 0,01%. Recentemente, porém, surgiram pressões nos preços do atacado, puxados pelas commodities agrícolas. Por conta disso, o IGP-M de agosto surpreendeu, com elevação de 0,77% em comparação com 0,15% de julho, o que deve refletir-se também no IGP-DI.

A alta dos alimentos é sazonal e deve arrefecer mais à frente. Mas a pesquisa semanal Focus, realizada pelo Banco Central (BC), revela que o mercado estima que a inflação ficará acima da meta de 4,5% neste ano e no próximo, em 5,07% e 4,87%, respectivamente. As previsões de mercado também embutem a expectativa de que, se o aperto foi suspenso agora, a um mês das eleições, deverá ser retomado após a posse do novo governante.

O efeito "desinflacionário" do cenário externo, que já havia sido levado em conta na reunião anterior, de julho, também influiu desta vez, até porque o quadro internacional apenas piorou desde então. Nos Estados Unidos, o Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre foi revisto e a recuperação, antes estimada em 2,4%, foi reduzida a 1,6%; e o desemprego aumentou para 9,5%. Na zona do euro, embora a insegurança tenha diminuído, os déficits públicos elevados ainda preocupam muito e a economia rateia. Por isso, acredita-se que o ímpeto da alta dos preços das commodities vai diminuir, apesar da expansão dos emergentes como a China e a Índia.

No Brasil, a economia dá sinais de retomada moderada. Se a recuperação se concretizar, sem pressão inflacionária como se espera, será um ponto muito positivo.

De toda forma, os indícios ainda são tênues. Um dos dados mais positivos foi o crescimento da indústria em julho, após três meses seguidos de queda. A produção industrial cresceu 0,4% de junho para julho, já descontados os efeitos sazonais, e 8,7% sobre igual mês de 2009, segundo a Pesquisa Industrial Mensal (PIM) feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos 27 segmentos industriais pesquisados, 17 mostraram expansão e estão agrupados entre os bens intermediários e bens de consumo duráveis; bens de consumo semiduráveis e não duráveis cresceram também, mas menos. O ponto negativo foi a queda de 0,2% da produção de bens de capital.

Outro indicador que confirma a moderação da retomada foi o resultado da sondagem industrial de agosto da Fundação Getúlio Vargas, que mostrou a queda pelo segundo mês consecutivo do nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) e o terceiro mês de contração no índice de confiança do empresário nacional.

O aquecimento da demanda pode ser medido pela venda de automóveis, que voltou a crescer depois da queda acentuada observada após março, quando foi retirada a isenção do IPI dada pelo governo no auge da crise internacional para estimular a economia. As vendas registradas em agosto cresceram pelo terceiro mês consecutivo. O nível de vendas está se aproximando cada vez mais do recorde histórico de março, quando 336 mil veículos foram disputados em meio a uma corrida às compras disparada pelo fim do incentivo fiscal.

Puxando a indústria está o mercado de trabalho robusto e o crédito. Em julho, a taxa de desemprego caiu para 6,9%, o segundo menor índice da série histórica do IBGE, e a renda real cresceu pelo sexto mês consecutivo.