Título: Investimento cria ambiente seguro para o PIB
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2010, Brasil, p. A4

As condições estruturais para um crescimento acelerado estão dadas. A alta de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre em relação ao três primeiros meses do ano demonstram que, no ano, o avanço do PIB deve atingir 8% - que, se verificado, será o maior desde os 10,2% registrados em 1976. A avaliação é de Francisco Eduardo Pires de Souza, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cedido ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para quem o avanço dos investimentos e da contratação de pessoal sinalizam que as condições para o crescimento "estão dadas".

Souza, que é doutorado em economia pela Unicamp e pós-doutorado pela London School of Economics (LSE), vê o ritmo atual como seguro. "Problemas como falta de mão de obra especializada para setores específicos, como construção civil ou engenheiros para operacionalização do petróleo, ocorrem, mas são ajustados conforme crescemos", diz Souza. Ele usa uma metáfora para explicar os ajustes que deverão ser feitos enquanto a economia se expande rapidamente. "É muito mais fácil se equilibrar numa bicicleta em movimento do que quando está parada."

Abaixo, os principais trechos da entrevista ao Valor.

Valor: O avanço do PIB no segundo trimestre foi superior ao que previa a maior parte do mercado. O ritmo está muito forte?

Francisco Eduardo Pires de Souza: Depois daquele crescimento chinês que a economia teve no primeiro trimestre, o mercado como um todo passou a precificar uma desaceleração baseado em duas premissas: a base de comparação seria mais alta, o que dificultaria um avanço estatístico tão expressivo, e a acomodação da indústria e do consumo depois da retirada dos estímulos fiscais e monetários vigentes até o fim do primeiro trimestre. O resultado do período entre abril e junho veio abaixo dos primeiros três meses mesmo, mas não na proporção que se imaginava.

Valor: Por quê?

Souza: As condições estruturais para sustentar um crescimento forte continuaram se expandindo no segundo trimestre. Os investimentos, representados pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu 2,4% entre abril e junho e a geração líquida de emprego formal foi superior a 810 mil vagas no período. Os empresários continuam investindo e contratando, que são os principais sinais de atividade, porque indicam que o crescimento continuará forte.

Valor: E continuará nesse ritmo?

Souza: Sem dúvida. É muito caro demitir trabalhadores no Brasil e também custa caro às empresas manter máquinas paradas. Então, se estão contratando e investindo é porque avaliam que as condições para o crescimento da economia não só estão colocadas como continuarão dadas.

Valor: E que condições são essas?

Souza: Há uma série de fatores que funcionarão como estímulo a novos investimentos, como a extração e refino do petróleo do pré-sal, as obras para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Eles são uma oportunidade para diferentes cadeias produtivas, que começam e começarão a investir para ganhar espaço. Além disso, ainda há no Brasil um largo hiato habitacional e de infraestrutura urbana como um todo, que precisa e pode ser preenchido. O setor de construção civil, que foi um dos principais responsáveis pelo forte avanço do PIB no primeiro semestre deste ano, passou quase 30 anos sem projetos. Esse conjunto de fatores cria um horizonte de crescimento da demanda doméstica, num contexto em que o Brasil alcançou uma estabilidade macroeconômica muito importante. Tanto é que as eleições ocorrem num clima de tranquilidade incomum para nossos padrões. E o empresário brasileiro percebe isso.

Valor: O sr. citou obras de infraestrutura, de habitação e projetos para o pré-sal. Todos contam com investimento ou indução indireta do Estado. Qual tem o papel do Estado no crescimento econômico?

Souza: Houve um manejo muito bem feito da política anticíclica por parte do Estado, algo que, diga-se, não foi exclusividade do Estado brasileiro. Me refiro especialmente ao caso do investimento, que acompanho de um ângulo privilegiado. Os investimentos caíram fortemente e de maneira imediata tão logo explodiu a crise mundial, no fim de 2008. O investimento é a variável mais sensível da economia uma vez que denota a expectativa dos agentes quanto ao futuro. Como naquele momento o quadro internacional era péssimo, já que parecia o fim do mundo, com instituições financeiras enormes falindo e toda a atividade desmoronando, o investimento despencou, atingindo o fundo do poço no primeiro trimestre de 2009. O governo, então, passou a estimular o investimento, e a resposta veio rapidamente.

Valor: Que ação o sr. destacaria?

Souza: Quando estava no fundo do poço, entre o primeiro e o segundo trimestre do ano passado, o governo lançou o Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que ofereceu juros de 4,5% ao ano para o investimento em máquinas e 7% para a aquisição de caminhões e ônibus. O impacto foi espetacular. Em 2008, o BNDES desembolsava, em linhas semelhantes, o equivalente a R$ 2,7 bilhões por mês. No primeiro semestre de 2009, os desembolsos caíram a R$ 1,7 bilhão por mês. A partir do PSI, lançado em junho, os desembolsos atingiram média mensal de R$ 4 bilhões, e entre janeiro e julho de 2010 atingiram quase R$ 5 bilhões por mês. Agora que a economia está deslanchando o governo vai retirando os estímulos - o PSI já teve os juros elevados e acaba em dezembro.

Valor: No segundo trimestre, o consumo do governo teve seu avanço mais expressivo em dois anos. O que o governo está consumindo?

Souza: Não temos dados abertos, mas o consumo do governo ocorre por meio de licitações e por concurso público. Então, vai desde o gasto com material escolar para escolas públicas até contratação e aumento de salários dos servidores. Ainda não temos dados abertos, mas fica claro que o consumo ajudou a sustentar o crescimento elevado do segundo trimestre, que anualizado atinge 5,1%.

Valor: O consumo do governo está ajudando a sustentar a demanda doméstica?

Souza: Sem dúvida. Aliás, é a demanda doméstica acelerada que sustenta o crescimento. A soma entre o consumo do governo, das famílias e os investimentos está por trás da recuperação da economia no pós-crise e na aceleração que assistimos em 2010. Esse avanço que permite ao Brasil continuar crescendo de forma um tanto autônoma do mundo, que continua sofrendo muito os efeitos da crise global. Não somos independentes do mundo, mas estamos crescendo de forma autônoma.

Valor: E esse crescimento autônomo vai continuar?

Souza: Continua, claro. Mas num prazo maior temos um grande desafio a ser enfrentado.

Valor: Qual?

Souza: As importações estão crescendo muito mais que as exportações e o Brasil está tendo um crescente déficit nas transações correntes, ainda que ele seja financiável.

Valor: Mas as importações aumentam devido ao avanço da demanda doméstica, não?

Souza: Claro, e essa é uma situação que vai continuar, o que não diminui o ímpeto do PIB. Ainda que desacelere um pouco, para taxas de 1% nos próximos dois trimestres, atingiremos um avanço de 7,8% da atividade neste ano. As condições estruturais estão colocadas: o emprego formal, os salários, os investimentos e a concessão de crédito continuam em alta. Vejo o crescimento de 8% como algo totalmente viável para 2010.

Valor: Esse crescimento pode causar transtornos, como alta de preços ou surgimento de gargalos?

Souza: O aumento dos investimentos é superior a alta do PIB, o que amplia a capacidade de oferta da economia como um todo. Problemas como falta de mão de obra especializada para setores específicos, como construção civil ou engenheiros para o petróleo, ocorrem, mas são ajustados conforme crescemos. É muito mais fácil se equilibrar numa bicicleta em movimento do que quando está parada. É a mesma coisa com o crescimento econômico.