Título: As preocupações com a proposta orçamentária
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2010, Opinião, p. A10

Dois aspectos da proposta orçamentária para 2011, encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional na última terça-feira, preocupam. O primeiro, é que a proposta prevê um forte aumento da arrecadação do governo federal, que crescerá 0,88 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) em relação a 2010. Com a última reprogramação dos gastos deste ano, a receita primária total foi reestimada para 23,98% do PIB, de acordo com a mensagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acompanha a proposta orçamentária. A previsão para 2011 é que a receita primária total fique em 24,86% do PIB.

É um aumento muito forte de receita para um único ano, o que lança dúvidas sobre a possibilidade de que ele efetivamente ocorra, uma vez que não está prevista a criação de novo tributo e nem a elevação das alíquotas daqueles já existentes. Aparentemente, o governo que está encerrando o seu mandato em dezembro preparou uma proposta orçamentária prevendo um forte incremento da receita a ser obtido unicamente pela maior eficiência da máquina arrecadadora e do crescimento da economia. Mas esse exercício futurístico poderá resultar no mesmo insucesso deste ano, pois o governo não está conseguindo obter a receita que projetou inicialmente na proposta orçamentária de 2010, de 25,66% do PIB. No Congresso, os parlamentares elevaram a receita para 26,28% do PIB, com o objetivo de acomodar mais gastos.

Antes, o governo primava pelo conservadorismo em suas previsões de receita. Quando a peça orçamentária estava em discussão no Congresso, os parlamentares ampliavam a arrecadação. Essa prática deu certo por vários anos, quando as previsões feitas no Congresso terminaram ocorrendo, algumas vezes não pelas razões que os parlamentares imaginavam. Nos últimos anos, o governo mudou sua estratégia e tem mandado propostas orçamentárias com a receita "já esticada", como dizem os técnicos da área. O receio é que, no início de cada ano, o contingenciamento das verbas do Orçamento seja ainda maior do que o de costume, reforçando a impressão de que o aumento excessivo de receita teria sido feito apenas para acomodar o aumento dos gastos.

A outra preocupação refere-se à nova forma de fixação do superávit primário do setor público, estabelecido pela lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e que consta da proposta orçamentária de 2011. Pela primeira vez desde que foi instituído, o superávit para 2011 foi fixado em valor nominal e não em percentual do Produto Interno Bruto (PIB). O projeto de LDO para 2011 foi encaminhado ao Congresso em abril deste ano. Na época, o governo acreditava que 3,3% do PIB projetado para 2011 corresponderia a R$ 125,5 bilhões. E propôs ao Congresso fixar o superávit primário nesse valor, o que os parlamentares aprovaram.

A razão apresentada para essa mudança foi a de que um superávit fixado em percentual do PIB é difícil de ser administrado, pois o valor do PIB de um determinado ano só é divulgado pelo IBGE em março do ano seguinte e, muitas vezes, corrigido em outubro. Portanto, as autoridades responsáveis pela execução orçamentária ficam na difícil situação de obter um resultado que só saberão se foi o exigido por lei meses depois do final do exercício financeiro. Muitas vezes, elas preferem exagerar o controle das contas, com receio de que o superávit não seja obtido. Com a meta nominal, esse problema desaparece, pois os gestores orçamentários passarão a perseguir um valor determinado para o superávit e não um percentual de algo (o PIB) que ninguém sabe quanto será.

Ocorre que o PIB de 2011, provavelmente, será maior do que o valor projetado em abril, entre outras coisas porque a economia crescerá bem mais em 2010 do que se imaginava. Com isso, o Ministério do Planejamento já estima que os R$ 125,5 bilhões não corresponderão mais a 3,3% do PIB, mas a 3,22% do PIB. A questão que se coloca é qual será a meta de superávit primário para os próximos anos, pois é difícil acreditar que depois de ter feito um resultado de 3,2% do PIB, o governo queira aumentar o esforço fiscal para 3,3% do PIB. E se em abril do próximo ano, quando encaminhar ao Congresso a LDO para 2012, a previsão do governo para o PIB for novamente inferior ao que se registrará, o valor nominal do superávit primário continuará caindo em proporção do PIB. A questão é saber qual é a regra que valerá daqui para frente.