Título: Efeito Petrobras pode ser reduzido
Autor: Pinto , Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 06/09/2010, Finanças, p. C1

Desde que o governo divulgou que a capitalização da Petrobras seria feita por meio de oferta pública de ações, o dólar só caiu. De junho para cá, a moeda acumula uma perda de 4,05% frente ao real. Só na semana passada, com a definição dos valores da operação, a moeda escorregou 1,25%, para R$ 1,731, menor cotação desde 8 de janeiro (R$ 1,730).

O movimento se baseia na perspectiva de que estrangeiros participarão maciçamente da operação, o que implicará fluxo pesado de recursos e também que a oferta de ações da gigante de petróleo testará o apetite por risco e a liquidez disponível no mundo. Assim, provavelmente, confirmará o interesse por ativos brasileiros, abrindo espaço para mais operações.

Esse cenário poderia ser capaz, na avaliação de profissionais, de jogar a cotação do dólar para perto de R$ 1,65 em pouco tempo. Mas, no mercado, não é essa a projeção oficial, nem entre economistas, nem entre as tesourarias. Isso porque prevalece a leitura de que a operação contará com uma atuação coordenada, inclusive por parte do Banco Central, de modo a minimizar os efeitos sobre a já fragilizada moeda americana.

A Petrobras poderá captar R$ 128 bilhões e, com base nas condições da oferta, analistas estimam que a fatia de investidores estrangeiros pode ficar entre US$ 15 bilhões e US$ 20 bilhões. Essa projeção leva em consideração experiências recentes, como o IPO do Santander, em outubro de 2009, que girou R$ 13,2 bilhões , sendo que 80% vieram dos estrangeiros. Um fluxo desse tamanho, de uma vez só, seria capaz de derrubar a moeda americana. "Dependendo da rapidez de entrada, o câmbio poderia ir a R$ 1,60", diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Valle.

A questão é que, assim como aconteceu no IPO do Santander, a aposta é que esse dinheiro todo não deve chegar ao mercado. No IPO do Santander, o BC comprou integralmente o lote de dólares que chegou para a operação. E, desta vez, pode ocorrer algo parecido. "Se na operação do Santander houve coordenação, o que dirá agora, em que a empresa envolvida é do governo", observa um operador. No caso da Petrobras, uma hipótese considerada por especialistas é que o Banco do Brasil - principal banqueiro da companhia para as operações de câmbio - poderia vender os dólares ao BC no seu leilão diário usual de câmbio sem ofertar a moeda no mercado, não pressionando assim a cotação", explica a fonte.

Essa atuação do BC, evidentemente, teria efeitos colaterais, como alerta o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. "No caso de atuação firme do BC, haveria um aumento importante das reservas internacionais. E, olhando à frente, a conclusão é que a moeda brasileira vai se apreciar ainda mais."

Mas profissionais também trabalham com uma hipótese de a Petrobras não manter os dólares resultantes da operação no Brasil, para, por exemplo, pagar fornecedores. E fechar um contrato de saída de dólares assim que os dólares da operação chegaram ao país - anulando o efeito sobre o câmbio. Essa ideia se baseia no fato de que a capitalização tem por objetivo levantar recursos para investimentos nó pré-sal. Estão previstos US$ 224 bilhões em investimentos em duas fases. Na primeira, a Petrobras já informou que contratará 37% dos bens e serviços da indústria brasileira e 63% virão do exterior. Na segunda fase, 65% dos investimentos serão feitos em dólares em 35% em reais.

No mercado, estima-se que a primeira fase consumiria cerca de 70% dos recursos. Se isso se confirmar, a empresa precisaria de US$ 140 bilhões para investir. Ou seja, o fluxo de dólares com a capitalização seria insuficiente para cobrir os investimentos a serem contratados no exterior. "Não faria o menor sentido a Petrobras ficar descoberta. Assim, a empresa poderia comprar dólares no mercado à vista ou no futuro, o que limitaria a tendência de queda da cotação", observa um profissional. "Há quem diga que o saldo disso tudo seria uma necessidade de compra de dólares por parte da Petrobras, e não o contrário", acrescenta.

Vale a pena observar que, mesmo com a proximidade da capitalização da Petrobras, as projeções do mercado para a taxa de câmbio ao final de 2010 não sancionam a atual trajetória da moeda que vem mergulhando e ameaça romper o suporte de R$ 1,70. Bancos e consultorias veem o dólar em queda, mas que pode ser pontual, acompanhando aumento também pontual de fluxo de divisa. Durante 23 semanas, até a última de agosto, a pesquisa Focus mantém a mediana de R$ 1,80 para dezembro e R$ 1,85 para o encerramento de 2011. A avaliação das instituições Top 5, que apresentam o maior índice de acerto, é inferior. Aponta taxa de R$ 1,76 em dezembro deste ano e R$ 1,80 um ano à frente.