Título: Paternidade de obras marca disputa em Sergipe
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 14/09/2010, Especial, p. A16
Por cerca de 30 anos, apenas dois sobrenomes se revezaram no governo estadual: Alves e Franco. A exceção foi o atual senador Antônio Carlos Valadares, único governador eleito em 1986, na esteira do Plano Cruzado, que não era do PMDB. Era do PFL, partido do governador João Alves, que o apoiou na disputa. A sequência familiar dos Francos e Alves teve início em 1979 com o patriarca Augusto Franco, um dos homens mais ricos de Sergipe, e só foi interrompida em 2006 com a eleição de um governador de esquerda, Marcelo Déda, do PT. Se as pesquisas estiverem certas, não será desta vez que alguém das duas famílias vai inaugurar mais um retrato na galeria dos ex-governadores do palácio Olímpio Campos, antiga sede do governo, restaurada e transformada em museu.
A eleição de outubro é uma disputa entre duas épocas, duas visões diferentes de fazer política. Déda é o favorito nas pesquisas, com 48% contra 32,7% de João Alves (DEM), ex-senador, ex-ministro e ex-governador de Sergipe por três mandatos, segundo o instituto sergipano Dataform.
Outros dois personagens deste enredo são os favoritos para as duas vagas ao Senado: Albano Franco (PSDB), filho de Augusto, que a exemplo de Alves também teve três mandatos em Sergipe, e Antônio Carlos Valadares, hoje no PSB. Ele lidera com folga as pesquisas de intenção de voto, mas perdeu terreno, e assim como Franco pode vir a ter a posição ameaçada por um novato, Eduardo Amorim, integrante da coligação de Déda.
Déda e a candidata presidencial do PT, Dilma Rousseff, somam o mesmo percentual de intenções de votos, 48%. Mas enquanto Dilma abriu 20 pontos de diferença sobre José Serra entre os sergipanos, a diferença de Déda para Alves é de cerca de 15 pontos. O governador disputa a eleição contra o mesmo candidato que derrotou em 2006. Mas o "negão do litoral ao sertão", como se proclama João Alves, é um campeão de votos e de obras em Sergipe, difícil de ser derrotado. Sua mulher, a senadora Maria do Carmo, também do Democratas (DEM), é tão ou mais popular, segundo o próprio candidato.
Alves diz que sua mulher, conhecida como "Mãe dos Pobres" por seu trabalho assistencial das vezes em que ele governou Sergipe, "é uma pessoa com mais prestígio e capacidade de transferência de votos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva". Mas a senadora teve problemas de saúde. "Ela passou dois anos entre a vida e a morte, fiquei em São Paulo a seu lado esse tempo todo. Agora, tem limitações físicas para atuar na campanha". Além da ausência da mulher, Alves queixa-se de ter sofrido perseguição do governo federal, em seu último mandato - entre 2003 e 2007, por incitação do então prefeito de Aracaju , Marcelo Déda, amigo e compadre do presidente Lula.
A queixa de Alves é um dos trunfos de Déda nesta eleição. O ex-governador afirma que faltou apoio financeiro do governo federal para ele concluir uma ponte que liga Aracaju ao litoral sul de Sergipe e reduz em 70 quilômetros a distância de Salvador, a capital da Bahia. Déda atribui a queixa de João Alves ao calor da campanha: o Estado estava inadimplente à época. Quando substituiu a Alves, o petista fez um ajuste fiscal, concluiu a obra também sem dinheiro federal e inaugurou a ponte em grande estilo - assim como outras obras inacabadas deixadas pelo antecessor. Por isso é chamado de "governador sem obras".
Num país de obras paradas, Déda aproveitou para virar o jogo. "Isso mostra como a nossa oposição é ultrapassada", diz o petista. "Eles abandonavam as obras dos antecessores porque têm uma visão patrimonialista e confundem o público com o privado. Eu compreendo que a obra não é do governador que construiu, mas do povo que pagou". Segundo Déda, é essa "visão republicana" que o leva a continuar obras inacabadas.
É exagero, por outro lado, classificar Déda de "governador sem obras". É certo que Alves fez profundas intervenções na paisagem urbana de Aracaju, em seus três mandatos. A joia da coroa é a ponte estaiada sobre o rio Sergipe, considerada uma das mais belas do Nordeste - mas que desviou a atenção do governador pefelista do interior para a capital e levou a um desequilíbrio nas contas tradicionalmente organizadas de Sergipe, para permitir que a obra fosse inaugurada antes da eleição de 2006.
Déda, por seu turno, preocupou-se com a logística, especialmente em infraestrutura. Em três anos e meio, inverteu a situação da malha viária que corta do Estado: em 2007, 62% dos 3.697 quilômetros se achavam em situação "ruim"; atualmente, 56% das rodovias são classificadas como em bom estado, contra 9% há três anos. No total, 15 obras de infraestrutura rodoviária foram concluídas - iniciadas ou não por Marcelo Déda.
Numa perspectiva de tempo maior, de 1995 a 2008 a pobreza extrema caiu de 41% para 21,93%. A avaliação do governador é que o Estado será capaz de eliminar a pobreza, se mantiver uma redução do estoque em 2,7% ao ano, até 2016. Um dado curioso é o desempenho da cultura do milho entre 2007 e 2008, que superou no período à cultura da cana de açucar, a monocultura nordestina por excelência.
Com a alta dos preços internacionais, a produção do milho em grão chegou à cifra de R$ 180,7 milhões, Um crescimento da ordem de 572% em relação aos 82,3% do incremento da produção brasileira e 50,1% da produção nordestina. Ou seja, um fenômeno tipicamente sergipano. A exemplo do feijão, o milho é uma cultura temporária exercitada pelos principalmente pelas populações mais pobres.
A disputa de 3 de outubro, em Sergipe, é o confronto entre duas épocas que se encontram pela segunda vez em quatro ano. De um lado está o engenheiro João Alves Filho, cujo pai foi um dos maiores construtores de Sergipe, para quem governar é fazer grandes obras, às quais seu nome está definitivamente associado. "Este é um governo sem obras, sem criatividade", é a crítica que Alves faz a Déda. O governador, por seu turno, diz que assim como Lula precisou de dois mandatos para consolidar um novo Brasil, ele precisa de "mais quatro anos para consolidar o projeto de mudanças em Sergipe". Sem patrimonialismo nem oligarcas.