Título: As indagações a respeito da ata do Copom
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2010, Opinião, p. A18

Apesar de toda a polêmica criada pela ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), uma constatação se mostra unânime: o Banco Central (BC) indicou o fim do ciclo de alta de juros, iniciado em abril último, pois considera que a inflação converge para o centro da meta já no próximo ano.

A intenção da autoridade monetária de parar o aumento da Selic foi expressa com tal grau de clareza e contundência que causou perplexidade nos agentes do mercado, acostumados há muito com certa dose de ambiguidade nos termos da ata, natural naqueles que têm a responsabilidade de sinalizar corretamente à sociedade os desdobramentos futuros da política monetária.

"A despeito de reconhecer a existência de riscos de elevação da inflação no curto prazo, o Copom considera que a convergência da inflação para o valor central da meta tende a se materializar", diz a ata. Caso esse cenário não se concretize, ou seja, que a inflação não caia em direção ao valor central da meta, o BC anuncia que a política monetária deverá atuar "a fim de redirecionar a dinâmica dos preços e, portanto, assegurar que a meta seja atingida". Em outras palavras: o ciclo de alta dos juros voltará se houver repique inflacionário.

Alguns analistas se perguntam se os cenários externos e internos, ainda marcados por razoável grau de incerteza, já permitem esse nível de segurança da autoridade monetária sobre o comportamento futuro da inflação. O receio é de que o BC esteja assumindo riscos que são próprios de "players" do mercado e não de quem tem a responsabilidade pela condução da política monetária.

A previsão do Copom pode se demonstrar correta no futuro, mas não deixa de ser uma aposta com algum grau de risco. Ela não reflete uma percepção unânime, baseada em dados facilmente observáveis da realidade. A ata diz que há "sinais" de que a economia tem se deslocado para uma trajetória mais condizente com o equilíbrio de longo prazo. Os próximos meses é que dirão se esses "sinais" vão se transformar em evidências incontestáveis. A torcida é para que assim seja.

O aspecto mais inusitado da ata, no entanto, refere-se à observação inédita, feita quase de forma despretenciosa, de que o Copom considera "que as estimativas mais pessimistas sobre o nível atual da taxa de juro real neutra tendem, com probabilidade significativa, a não encontrar amparo nos fundamentos". A celeuma criada pela ata foi alimentada, em grande medida, por essa frase. Além de introduzir um debate novo no país - a discussão de qual seria a taxa de juro neutra - a ata cita "estimativas mais pessimistas" sem especificar exatamente do que se trata.

Ao abrir esse debate, os diretores do BC quiseram chamar a atenção, em primeiro lugar, para o amadurecimento do regime de metas de inflação no Brasil, após seis anos de cumprimento dos objetivos fixados pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Tal amadurecimento teria elevado a potência da política monetária de tal forma que, hoje, segundo o BC, pressões inflacionárias são contidas com aumentos mais modestos da taxa de juros do que no passado.

A taxa de juro neutra é aquela que mantém o equilíbrio entre a oferta e a demanda da economia, com inflação estável e baixa. Trata-se de um cálculo de difícil conclusão. As estimativas dessa taxa no Brasil variam entre 3% e 9%, dependendo a que corrente ou escola se filie o economista ouvido. É fácil dar razão ao BC se as previsões pessimistas a que ele se refere são de juro real superior a 8% ao ano. Mas não está claro que é a isso que a ata de refere.

Alguns analistas arriscam concluir que o BC sinalizou que a atual Selic de 10,75% ao ano, apontando para juro real em torno de 6% ao ano, seria essa taxa neutra.

Outros, mais desconfiados, preferem acreditar que, ao introduzir a discussão sobre taxa de juro de equilíbrio, a intenção do BC teria sido a de atuar sobre as expectativas dos agentes que apostam em elevação do juro básico da economia em 2011. Como todos lembram, depois que o BC decidiu elevar a Selic em 0,5 ponto percentual, em vez de 0,75 ponto percentual, a curva de juro de curto prazo cedeu e a de longo prazo elevou-se, pois o mercado entendeu que o BC estava ampliando o prazo de convergência da inflação à meta. Esta expectativa ainda predomina. Na semana passada, o mercado ainda apostava em elevação da Selic em 2011. Esse talvez seja o ponto que o BC queira mudar com a discussão sobre taxa neutra de juro.