Título: Garantias governamentais às exportações brasileiras ::
Autor: Cordeiro de Carvalho Jr , Mario
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2010, Opinião, p. A18

A equipe econômica está propondo soluções para que sejam dadas garantias governamentais aos bens e aos serviços embutidos nos projetos de exportação. Se o exportador nacional vende uma fábrica, maquinário ou constrói no exterior, o comprador estrangeiro pode querer uma garantia acerca do objeto que está sendo adquirido. Nesse sentido, o exportador nacional apresenta um "performance bond" ao importador. Por sua vez, para concorrer numa licitação pública em outro país, o exportador apresenta um "bid bond" como garantia de que irá tocar o projeto caso vença. Se esse projeto durar anos para ser executado, o exportador precisará de alguma garantia que mitigue o risco político.

Por haver assimetrias de informação, o mercado de garantias não é eficiente, pois é falho. Então, há espaço para se intervir e corrigir as falhas. No entanto, se faz necessário desenhar sistema de incentivos que reduza as assimetrias de informação, a falibilidade humana, os riscos e os custos para os contribuintes. Para se gerir no âmbito do governo os riscos decorrentes da emissão de garantias governamentais se deve adotar como princípios de gestão: 1) ligar responsabilidade ao controle; 2) administrar o risco moral e 3) incentivar a estruturação de garantias aceitas pelo mercado.

É preciso lembrar que as garantias governamentais devem ser "lastreadas" por recursos públicos. Esses têm de ser oriundos do orçamento fiscal. A boa prática contábil pública recomenda a constituição de um fundo garantidor que siga os ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que aponte a matriz de riscos das operações apoiadas e se identifique o passivo contingencial. Na prática, isso é relacionar os membros do governo responsáveis pela emissão das garantias ao controle efetivo e responsável pelos recursos públicos, minimizando de forma conjunta e simultânea a incidência de risco moral.

Em termos institucionais, a análise, aprovação para a emissão de garantias governamentais para cada projeto de exportação poderia ficar a cargo de pessoal técnico lotado em Secretaria - exemplo Secretaria do Tesouro (STN), Secretaria de Assuntos Internacionais (Seain), ambas do Ministério da Fazenda, e/ou Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do MDIC; ou na Câmara de Comércio Exterior (Camex) e no Comitê colegiado de Financiamento e Garantias de Exportação (Cofig), presididos por ministros de Estado. Mas essa atividade nunca deveria ficar numa agência de garantias - subordinada à Susep - como está sendo proposto pelo governo.

O pecado original da proposta de criação da Agência Brasileira de Garantias é que ela irá gerir diversos tipos e modalidades diferentes de garantias que serão dadas aos setores de infraestrutura, pré-sal e exportação. Garantias para parcerias público-privadas ou para a provisão de energia ou perfuração de petróleo (e, trem-bala, Minha Casa Minha Vida etc.) são totalmente distintas de garantias às exportações. Juntar todos os fundos garantidores numa só agência fará, na prática, com que as demandas por garantias a serem pedidas ao governo brasileiro pelo setor exportador sejam objeto de disputa com garantias a serem dadas às grandes obras de infraestrutura em curso no país. Entre emitir garantia para Belo Monte ou para poço XYZ da Petrobras, e a emissão de um "performance bond" ou de uma garantia para mercadorias a serem entregues ou serviços a serem prestados no exterior, a Agência Brasileira de Garantias sempre privilegiará o mercado interno, pois em tese possui mais informações sobre o Brasil que acerca de países estrangeiros.

Sem dúvida, a intenção do governo é correta em querer suprir falha de mercado no setor exportador, mas a criação dessa agência resultará numa falha de governo. Na verdade, se está juntando alhos com bugalhos - infra-estrutura mais exportação -, e colocando tudo num mesmo fundo e numa mesma agência. Olhando a experiência internacional, por exemplo, da Inglaterra e Nova Zelândia, se observam departamentos (secretarias) de governo que se especializaram em outorgar garantias para exportação. Criar este tipo de departamento na estrutura governamental brasileira é saudável, visto que não há necessidade de se seguir os princípios de Basileia porque não se trata de instituição financeira. Logo, a alavancagem do fundo garantidor pode e deve ser a mais ampla possível, muito maior que número cabalístico de 9, desde que haja analise correta da viabilidade econômica do projeto de exportação.

No Brasil, criar departamento (secretaria) ao invés de agência seria ainda muito mais saudável porque as decisões emanadas pelo Cofig juntamente com a Camex na área de financiamentos e garantias seria acompanhada em termos operacionais pelo novo órgão. O Cofig é uma criação do primeiro mandato do governo Lula, extremamente funcional, e efetivo. Nele, diminuto grupo de burocratas "republicanos" entricheirados no MDIC negociava com os ministros da Fazenda, do Planejamento, Relações Exteriores e o próprio MDIC e assim destravaram e conseguiram liberar financiamentos e garantias públicas de modo a incentivar as exportações nacionais de bens e serviços, seja para a América Latina, seja para a África.

Na prática, o governo aprendeu a analisar e aprovar pedidos de financiamentos e solicitações de garantias de forma conservadora, e que sempre foi monitorado e balizado pelas ações de diplomacia comercial da presidência.

O processo decisório no Cofig é lento para os padrões privados, mas este foi uma inovação institucional do governo Lula. A proposta atual é ruim, ainda que seja um avanço quando se compara à ideia de querer criar uma Empresa Brasileira de Seguros (EBS). Agora, cabe à equipe de transição do futuro governo chamar os exportadores para que estes ajudem a desenhar um sistema de incentivos e matriz de riscos comerciais e políticos que viabilize a conquista do mercado internacional. E, ao novo governo caberá a decisão de criar departamento (secretaria) para gerir as garantias governamentais às exportações.

Mario Cordeiro de Carvalho Junior é professor da FAF-UERJ.