Título: O valor justo do petróleo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/09/2010, Investimentos, p. D1

A empresa de consultoria Gaffney, Cline & Associates, contratada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para avaliar as áreas de exploração que serão usadas no processo de capitalização da Petrobras, também levou em conta percepções de mercado sobre qual seria o "valor justo" para chegar ao preço dos barris que serão vendidos à estatal.

Isso explicaria, em parte, a diferença de avaliação da Gaffney e da consultoria DeGolyer and MacNaughton, contratada pela Petrobras. O fato é que a estatal acabou aceitando pagar mais pelas áreas do que recomendou a DeGolyer, já que o valor de US$ 42,5 bilhões acertado é 134% maior do que o preço sugerido no cenário mais pessimista da DeGolyer, que estimava um valor de US$ 18,13 bilhões para os 5 bilhões de barris.

Magda Chambriard, diretora da ANP que conduziu toda a negociação pela agência, atribui parte das diferenças de avaliação aos preços de referência utilizados e à interpretação de dados sísmicos, já que nem todas as áreas foram perfuradas e, por isso, a garantia de se encontrar petróleo (e não água, por exemplo) é menor quando não se tem o resultado de uma perfuração.

Não é o caso das áreas Florim, Peroba e os entornos dos reservatórios já descobertos pela Petrobras, como Tupi e Guará.

Exemplo de interpretações diferentes é o reservatório Franco, onde a Petrobras prevê 3 bilhões de barris de petróleo e a ANP, com dados da Gaffney, estima um volume provável de recursos contingentes de 5,45 bilhões de barris em uma área de 400 quilômetros quadrados.

"A Petrobras entendeu que as bordas de Franco, ou seja, metade de Franco, não eram tão promissoras. Tudo é uma questão de estatística. Para nós, a soma de Franco, o entorno de Iara e as demais áreas ultrapassava bastante 5 bilhões de barris de petróleo [sem contar o gás], mas a Petrobras foi muito mais conservadora. Digamos que a Petrobras acha que fomos otimistas e nós achamos que a Petrobras foi pessimista", resumiu a diretora da ANP em entrevista ao Valor na quinta-feira, no Rio.

Como a negociação envolveu apenas um comprador e um vendedor, sem a percepção de outros agentes do mercado que poderiam ajudar na formação de preço, a agência ficou sem referência de valor, admitiu Magda, algo que não aconteceria em um leilão padrão de áreas.

Para tentar melhorar essa situação, a agência pediu sugestões de preços "diferenciadas" para a Gaffney. Além das estimativas baseadas em cenários envolvendo tamanho das reservas, preço do petróleo, diferentes taxas de desconto e custos de investimento e de operação (o que inclui números diferentes de plataformas produzindo em cada área), também foi requisitado um cálculo do "valor justo" para esses barris.

Para isso, foi levada em conta a percepção do mercado sobre o valor dos barris com base na valorização das ações das empresas do setor e das detentoras de áreas como a Petrobras, BG, Repsol e Galp, assim como estudos de bancos para orientação de investidores.

Foram avaliados, por exemplo, relatórios do Goldman Sachs e do Credit Suisse com estimativas de preço entre US$ 9 e US$ 10 para o petróleo do pré-sal já sob concessão da Petrobras.

Magda cita relatório do Goldman Sachs publicado em 15 de janeiro, que avalia em US$ 9,68 o barril de petróleo no campo Guará, uma concessão da Petrobras, BG e Repsol, que paga a chamada participação especial.

"Se o Goldman Sachs, que é um celeiro de investimentos, diz que Guará com contrato de concessão vale mais de US$ 9 por barril, por que eu vou dizer que o meu vale menos?", diz Magda, referindo-se à área da União no entorno de Guará que está sendo cedida.

A consultoria contratada pela ANP também considerou os preços do barril em negociações finalizadas pela Statoil com a Anadarko em 2008 envolvendo o campo Peregrino, na bacia de Campos, que este ano teve uma parte vendida para a chinesa Sinochem.

Na negociação de ativos vendidos pela Devon para a BG - que tinha Polvo, um campo em produção no Brasil - a projeção de preço variou entre US$ 5 e US$ 12.

Em 2008 o preço atribuído pela Gaffney a cada barril de Peregrino (operado pela Statoil) foi de US$ 7, valor que aumentou para algo entre US$ 15 e US$ 19 por barril este ano, quando parte da área foi comprada pela Sinochem.

O detalhe é que Peregrino tem petróleo pesado com viscosidade de 14 graus na escala do Instituto Americano de Petróleo e é uma área sob regime de concessão, sobre a qual incide a participação especial, ao contrário da chamada cessão onerosa, que não vai pagar essa contribuição. A participação tem alíquota progressiva que pode chegar a 40% da receita líquida obtida da produção de petróleo e, sem ela, a rentabilidade das áreas é maior, como ressalta Magda.

O relatório da Gaffney Cline, que custou R$ 2,3 milhões, foi acompanhado de perto por Bill Cline, executivo-chefe e um dos sócios da empresa, que fez a apresentação no dia 19 para a ANP e representantes da União na sede da agência, no Rio.

"A análise do Bill Cline foi sensacional. E fruto dessa análise, que não tem nada a ver com o fluxo de caixa específico, mas que leva em conta a percepção do mercado, a variação das ações entre outros quesitos, ele diz que uma avaliação razoável para esse negócio seria da ordem de US$ 9 a US$ 10", disse Magda, que diz nunca ter ouvido falar no preço de US$ 12 o barril que foi ventilado pela imprensa na época.