Título: Com pressão externa, alimentos voltam a impactar inflação
Autor: Villaverde, João
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2010, Brasil, p. A5

De São Paulo

Em apenas trinta dias, o antes tranquilo Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) dobrou, atingindo 0,99% na primeira prévia de setembro, o resultado mais salgado desde a primeira prévia de junho, quando a inflação iniciou trajetória de queda. Composto principalmente por preços no atacado, o IGP-M serve de termômetro do que pode acontecer com a inflação ao consumidor, que está em quase zero há três meses. Os sinais, contudo, são claros: a pressão de preços está concentrada em alimentos. Enquanto na primeira prévia de agosto os preços dos produtos agrícolas registraram deflação de 0,53%, na primeira prévia de setembro, que compreende o período entre os dias 21 e 31 de agosto, a alta foi de 2,3% - a maior variação desde março. Puxados pelas fortes elevações nos preços do algodão em caroço e do milho em grão, de 28% e 8,7%, respectivamente, os produtos agrícolas devem continuar a pressionar os índices de preços ao longo do ano, especialmente porque os preços dos principais grãos estão pressionados no exterior.

O índice que mede os preços das principais commodities, o CRB (Commodities Research Index, na sigla em inglês), negociado diariamente na Bolsa de Mercadorias em Chicago (EUA) atingiu ontem seu patamar mais alto desde janeiro - 280,1 pontos, em alta de 1% sobre o fechamento do dia anterior. Conforme já antecipara o Valor em 17/08, os produtos agrícolas no país devem passar por "contágio" externo. Um dos principais mercados produtores de trigo, a Rússia, passa por sua estiagem mais rigorosa em 150 anos. A alta do trigo acaba influenciando outros grãos, como milho e soja, utilizados como substitutos imediatos.

"Esta primeira prévia do IGP-M de setembro demonstra que os movimentos de preços de commodities no mercado internacional são muito importantes na determinação dos preços internos. Não tem como fugir disso", avalia Fabio Silveira, sócio diretor da RC Consultores, para quem o desafio, agora, está em estimar quando as elevações percebidas no atacado atingirão os consumidores.

Para Fabio Ramos, economista da Quest Investimentos, a transmissão do IGP-M para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador de inflação ao consumidor do país, ocorrerá já neste mês. Ramos aposta que a deflação de 0,24% registrada pelos alimentos no IPCA de agosto será revertida para uma alta de até 1% em setembro, o que deve levar o IPCA como um todo para um patamar de 0,4% no mês - deixando, assim, o terreno do 0,0% registrado nos últimos três meses.

"O minério de ferro, que assustou muito no começo do ano e ainda veio forte nesta primeira prévia não é mais o foco das atenções. O foco agora está nos alimentos", aposta Ramos, em referência à alta de 4,98% registrada pelo minério de ferro na primeira prévia do IGP-M de setembro. "Foi o último suspiro da sequência de altas que o minério passou desde março, quando as mineradoras reajustaram os preços em 95%", diz Ramos.

De acordo com os economistas consultados pelo Valor, os preços dos produtos industriais não serão foco de pressão até o fim do ano. Os preços industriais repetiram em setembro a mesma variação de agosto, ainda que os preços dos bens finais tenham saltado no mesmo período, saindo da queda de 0,5%, em agosto, para uma alta de 1,33% em setembro (ver gráfico). "Mas essa alta foi toda concentrada nos alimentos industrializados", diz Ramos. Na primeira prévia de setembro, a taxa de dispersão dos produtos industriais, que indica quantos bens diferentes tiveram alta de preços, foi de 43,4%, a menor do ano.

Os economistas, no entanto, divergem quanto aos efeitos que a alta nos preços dos alimentos no mercado externo e nos preços do atacado no país podem acarretar aos consumidores. Silveira crê em IPCA próximo a 4,8% em 2010, resultado apenas 0,3 pontos percentuais acima da meta perseguida pelo Banco Central. Já Ramos estima que o IPCA fechará o ano em torno de 5,1%.

Por outro lado, futuras altas no índice internacional de preços de commodities, o CRB, estão contratadas. O raciocínio de Silveira é que as commodities estão pressionadas duplamente: pelos choques de oferta, como o que ocorre na Rússia, e pela especulação de investidores institucionais, que deixam títulos públicos dos países ricos - que pagam juros baixos - para aplicar em preços de commodities. Apenas nos nove dias úteis de setembro, até ontem, o CRB acumulou alta de 6%.