Título: Lula se desculpa, mas volta a exaltar Dilma
Autor: Rothenburg, Denise; Abreu, Diego; Silveira, Igor
Fonte: Correio Braziliense, 15/07/2010, Política, p. 2/3
Presidente se retrata por ter elogiado as qualidades de sua candidata ao Planalto em evento oficial. Logo em seguida, porém, na frente do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, reforça novamente as virtudes da ex-ministra da Casa Civil. Oposição enxerga crime eleitoral
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está levando a sério a história de fazer campanha para a candidata do PT ao Palácio do Planalto, Dilma Rousseff. Mesmo pedindo desculpas, voltou a citar os feitos de sua pupila, dessa vez na frente do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski. E justificou a frase pela ¿obrigação moral¿ de reconhecer o trabalho de Dilma como ex-ministra.
¿Não tenho por hábito desafiar nem o mais humilde dos brasileiros, quanto mais uma legislação que nós mesmos criamos no Congresso¿, disse Lula(1), durante a 4ª Cúpula Brasil e União Europeia, arrancando um sorriso sem graça de Lewandowski. Mas reconheceu a escorregada: ¿Cometi um erro político e peço desculpas, mas a intenção era apenas fazer o reconhecimento histórico de quem trabalhou para concluir uma coisa¿, afirmou, em referência ao papel que sua ex-ministra teve no projeto do trem-bala que liga São Paulo ao Rio de Janeiro.
Ao justificar-se, voltou a citar o papel da candidata e escorregar no mesmo erro: ¿Fiquei quase que na obrigação moral de dizer que quem tinha começado a trabalhar na questão do trem-bala, a iniciar o projeto, a discutir, tinha sido a companheira Dilma¿, disse. ¿Mas o dado concreto é que vocês, como jornalistas, sabem que foi ela quem começou, foi ela quem trabalhou, foi ela quem organizou, foi ela quem fez todo o trabalho para que a gente pudesse, ontem, publicar o edital do trem-bala¿, emendou, na entrevista oficial do evento, ao lado do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.
O clima eleitoral parece ter contagiado outras esferas do governo. Em outro evento com a participação de Lula, a presidenta da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Ramos Coelho, também citou os feitos de Dilma. Ela lembrou à plateia formada por funcionários da instituição que a então ministra-chefe da Casa Civil atuou ativamente para que a instituição atingisse bons resultados nos últimos anos.
As derrapadas do presidente preocupam o PT. Integrantes da área jurídica da legenda avaliam que novas ações eleitorais podem surgir a partir do discurso pró-Dilma. Os juristas aproveitam para passar um pente-fino na legislação e sondar limites da atuação do principal cabo eleitoral da corrida presidencial em prol da pupila.
O objetivo inicial é blindar Dilma juridicamente das investidas de Lula. A cúpula do partido avalia que a mera citação do nome da ex-ministra durante evento oficial não renderá prejuízos. O presidente do PT, José Eduardo Dutra, classificou como ridícula e despropositada a repercussão do caso e disse que a frase passaria despercebida se não fossem as manchetes dos jornais. ¿Agora ele (Lula) e qualquer ministro vão ter que ficar se policiando nos eventos que tenham alguma relação (com a candidata)¿, afirmou, em tom de ironia.
Outros estrategistas da campanha disseram que a hipótese de dano está descartada, uma vez que a candidata não pediu ao presidente que falasse das suas realizações no governo em solenidades oficiais. A maior preocupação está centrada na figura de Lula, multado seis vezes pela Justiça Eleitoral, no valor total de R$ 42,5 mil. A avaliação do PT é a de que inicialmente não deve haver problemas, uma vez que o presidente citou a ex-ministra e não pediu votos. ¿O presidente conhece bem as regras e não vai transgredir em nenhum momento¿, afirmou o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), coordenador da área jurídica da campanha de Dilma Rousseff.
Lisura A oposição pretende capitalizar a escorregada de Lula por entender que pode se caracterizar como crime eleitoral. Para o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), o fato de Lula ressaltar os feitos de Dilma Rousseff no governo prejudica a lisura das eleições. ¿Essa repetição de erros cria, inclusive, uma antipatia nos eleitores. O presidente precisa ficar atento a isso. Agora, as sanções do TSE não vão se resumir a multinhas. Os partidos de oposição vão tomar medidas contra esse tipo de atitude¿, afirmou o senador.
Ricardo Penteado, coordenador jurídico da campanha do candidato do PSDB, José Serra, disse que estuda entrar com ação. O partido solicitou as gravações do evento para analisar a fala do presidente. A sanção, segundo a legislação, vai de multa à cassação do diploma do candidato eleito e à inelegibilidade do ocupante do cargo público.
1 - Agora, oficialmente Lula vai pedir votos oficialmente para a sua candidata amanhã, no Rio de Janeiro. Ele participará de um comício na Cinelândia, zona central da cidade, com Dilma, Sérgio Cabral, candidato à reeleição, e os candidatos ao Senado, Lindberg Farias (PT) e Jorge Picciani (PMDB). Antes, a petista participa de uma caminhada da Igreja da Candelária até o local do ato eleitoral. No sábado, Dilma segue para Jales (SP), onde terá um ato em conjunto com Michel Temer (PMDB-SP), seu candidato a vice na chapa.
O número 2.600 Número de pedidos de impugnação de candidatura recebidos pelos tribunais regionais eleitorais de todo o país até o início da noite de ontem
Histórico de multas
18 de março O presidente é multado pelo ministro do TSE Joelson Dias por propaganda antecipada na inauguração de um complexo esportivo em Manguinhos, Rio de Janeiro. A sanção foi no valor de R$ 5 mil.
25 de março Partidos de oposição entram com ação no TSE e o presidente é novamente multado por propaganda antecipada, dessa vez na inauguração do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados de São Paulo. Valor: R$ 10 mil.
18 de maio Depois de uma representação feita por PSDB, DEM e PPS, o presidente Lula é multado em R$ 5 mil pelo TSE por ter citado a candidata Dilma Rousseff na inauguração de prédios da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e de Mucuri, em Minas Gerais.
21 de maio Por causa de um discurso no Encontro da Defesa do Trabalho Decente, em São Bernardo do Campo, o ministro-substituto do TSE Henrique Neves Silva multa Lula em R$ 10 mil e outras sete pessoas por campanha eleitoral antecipada.
4 de junho O ministro Henrique Neves aplica multa de R$ 7,5 mil por entender que Lula descumpriu a lei eleitoral com propaganda antecipada em evento da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
29 de junho Lula recebe a sexta multa, no valor de R$ 5 mil, por propaganda eleitoral antecipada em evento do Dia do Trabalho realizado pela Força Sindical.
Sete perguntas para
Ricardo Lewandowski, presidente do TSE
Diego Abreu Leonardo Cavalcanti
O presidente Lula, em evento oficial na segunda-feira, celebrou a candidata Dilma. E hoje (ontem) fez de novo. Pediu desculpas e reforçou o apoio a ela. Como o senhor vê isso? Temos que examinar as palavras do presidente dentro do contexto em que foram proferidas. Vamos examinar quando chegar ao TSE, se chegar ao tribunal. Por enquanto, não posso antecipar nenhuma opinião, até porque vou ter que julgar isso.
Mas o presidente Lula pode fazer campanha durante o horário de trabalho? A lei não permite que qualquer governante faça campanha durante o expediente. Isso é o que diz a lei. Agora, é preciso examinar se foi feita ou não campanha. Os juízes é que dirão se foi ou não feita essa campanha eleitoral durante o expediente.
O senhor acha que esse tipo de comportamento tende a deixar uma eleição desigual? Todas as representações contra o presidente que aportaram no TSE e foram consideradas infrações à legislação foram punidas com multa. Não posso dizer como juiz se o valor é pouco ou muito, estamos aplicando a lei. Quem determinou as multas foi exatamente o Congresso.
Compensa desrespeitar a lei? Cada candidato, cada político deverá fazer essa avaliação. Não compete a mim, como juiz, dizer se compensa ou não.
O presidente Lula sabia que o senhor estava no evento. O senhor acha que houve uma provocação? O presidente tem a característica de ser espontâneo e falou o que achou que deveria. E certamente responderá, eventualmente, pelos excessos.
Lula e candidatos à Presidência foram multados na pré-campanha. Desde o dia 6, começou oficialmente a disputa. Há a possibilidade de eles continuarem sendo multados? Existem não apenas multas que podem ser aplicadas, como sanções mais graves, que podem caracterizar, desde que haja desequilíbrio na contenda, um abuso de poder político e econômico, e levar a sanções mais graves.
Que casos seriam para multa? O uso da máquina administrativa. No limite, é possível até a cassação do próprio diploma, se a situação se caracterizar como suficientemente grave, com o desequilíbrio de forças, uma descompensação entre os candidatos que se apresentam na disputa.