Título: Basileia 3 evita pôr em risco a recuperação econômica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 15/09/2010, Opinião, p. A14

Levou dois anos desde a quebra do americano Lehman Brothers, que lançou o mundo em uma das maiores depressões em quase um século, para que os bancos centrais e supervisores globais do sistema financeiro apertassem a regulação na tentativa de se evitar que o desastre se repita.

As novas exigências de capital dos bancos foram consubstanciadas no Acordo Basileia 3, uma referência à cidade suíça de Basileia, onde fica a sede do orquestrador das mudanças, o Banco para Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês). As propostas serão apresentadas aos líderes do G-20, na reunião de novembro, em Seul, Coreia do Sul. Se aprovadas, serão postas em prática gradualmente nos próximos oito anos.

Parece tempo demais. Mas esse tipo de reforma costuma ser demorada. Basileia 2, que ainda está sendo adotada, inclusive no Brasil, levou 10 anos para ser elaborada. A explicação é simples: mexer com a alavancagem dos bancos tem implicação direta com o preço e a disponibilidade de crédito, o que influencia diretamente a economia. A questão é mais sensível ainda neste momento, em que a recuperação econômica rateia na maior parte dos países desenvolvidos.

A proposta dos reguladores em Basileia 3 é não só aumentar as exigências de capital dos bancos mas, principalmente, alterar sua qualidade, para ampliar a capacidade de as instituições absorverem perdas e resistirem mais a apertos de liquidez. O capital mínimo de alta qualidade, assim considerado por incluir apenas ações e lucros retidos, vai aumentar de 2% para 4,5% dos ativos ponderados pelo risco, gradualmente, entre 2013 e 2015. Além disso, os bancos terão que constituir aos poucos, entre 2016 e 2019, um colchão de conservação de capital para enfrentar períodos de estresse, equivalente a 2,5% dos ativos. Ao fim de 2019, os bancos terão 7% de capital de alta qualidade.

O capital total mínimo foi mantido em 8%, mas sobe a 10,5% com o colchão de conservação. Os bancos poderão sacar em determinadas circunstâncias o capital do colchão de conservação. Mas a distribuição de lucros e dividendos depende de quão próximo está o banco do percentual mínimo exigido.

Além disso, os supervisores criaram um colchão contracíclico de capital de alta qualidade, 0% a 2,5%, a ser concretizado de acordo com a situação de cada país, de modo a conter a euforia dos bancos em períodos de muita expansão do crédito.

Não há uma ideia clara do impacto das mudanças na necessidade de capital dos bancos e, portanto, na oferta de crédito e irrigação da economia. Talvez por isso os supervisores tenham "pegado leve" nos índices e prazos. Inicialmente, pensou-se em elevar o capital de alta qualidade para 5% e não para os 4,5% fixados; e o prazo final de adequação era 2018 e não 2019.

Já se disse que os grandes bancos americanos e ingleses estão enquadrados. Mas a verdade parece mais próxima do presidente do Comitê de Supervisão Bancária do BIS e do banco central holandês, Nout Wellink, para quem serão necessários "centenas de bilhões de dólares". A avaliação mais acurada pode ser a da Fitch Ratings, que examinou o balanço de 46 dos maiores bancos dos países mais desenvolvidos e concluiu que 35 deles não cumpririam neste momento a exigência de aumentar o capital de alta qualidade e também constituir o colchão de conservação e a provisão contracíclica. Eles necessitariam de um reforço de US$ 420 bilhões.

A discussão está apenas começando. Há outras questões pendentes, a começar pelo debate a respeito do que pode ser considerado capital de alta qualidade, além das ações e lucros retidos. Uma dúvida é o que fazer com os créditos tributários e os ativos intangíveis. Há regras de liquidez ainda em estudo. Bancos considerados importantes para o sistema financeiro global deverão ter uma capacidade de absorver perdas maiores, o que deve acarretar maiores exigências de capital e esse é um tema em que o Financial Stability Board e o BIS ainda estão trabalhando. Tudo está sendo cuidadosamente analisado para não afetar a periclitante recuperação mundial nem causar nova crise de aperto de crédito.

Os bancos brasileiros estão aparentemente confortáveis com um índice médio de 17%, mas muitos deles possuem altas doses de crédito tributário no balanço. O próprio presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, já disse que alguns bancos, provavelmente, terão que ser mais comedidos na distribuição de dividendos e reter lucros para cumprir as novas regras.