Título: A criativa engenharia de capitalização da Petrobras
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2010, Brasil, p. A2

A principal dúvida que existe atualmente no mercado é sobre o montante de receita livre que entrará no caixa do Tesouro Nacional com a capitalização da Petrobras, que será concluída no fim deste mês. Todos estão convencidos que o governo federal encontrou uma fórmula engenhosa de engordar seu caixa e, assim, financiar o forte aumento de gastos ocorrido este ano, obtendo, ao mesmo tempo, o superávit primário do setor público consolidado de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB).

Como se sabe, a União cedeu 5 bilhões de barris de petróleo da camada do pré-sal à Petrobras e, em pagamento, receberá R$ 74,8 bilhões. Em tese, esse dinheiro seria utilizado pelo governo federal para capitalizar a estatal petroleira.

Hoje, a União detém 39,79% do capital social da Petrobras. Desse total, 29,65% estão com o Tesouro Nacional e o restante está distribuído entre o BNDES, o BNDESPar e o FFIE. Se todos os acionistas, públicos e privados, subscrevessem as ações mantendo suas participações atuais no capital da empresa, o Tesouro Nacional teria que desembolsar R$ 41 bilhões, segundo estimativa feita pelo repórter Fernando Torres, do Valor.

Nesse caso, o Tesouro teria uma "sobra" de R$ 33,8 bilhões em caixa (a diferença entre os R$ 74,8 bilhões que recebeu da Petrobras pelos 5 bilhões de barris e o dinheiro empregado na capitalização). Os R$ 33,8 bilhões seriam receita livre para gastar nas despesas orçamentárias deste ano. Os demais entes públicos com ações da empresa teriam que desembolsar algo como R$ 10,9 bilhões.

Provavelmente, no entanto, isso não ocorrerá, pois nem todos os acionistas privados utilizarão todo o direito à subscrição que possuem e, assim, perderão participação no capital da empresa. A expectativa é que a União aumente sua participação no capital da Petrobras. Os R$ 74,8 bilhões são suficientes, com as cotações atuais das ações da Petrobras, para que a União eleve sua participação para algo perto de 50%.

Se essa elevação for alcançada, e se todos os entes públicos que detêm ações da empresa subscreverem na mesma proporção do capital que detêm atualmente, o repórter Fernando Torres estima que a quantia que ficará no caixa do Tesouro chegará a R$ 19 bilhões. Esse valor poderá, no entanto, ser menor, porque a Medida Provisória 500 complicou o cálculo dessa conta.

A MP permite que a União e os demais entes públicos detentores de ações de empresas estatais possam ceder, entre si, o direito de preferência para a subscrição de ações em aumento de capital. Isso significa que o BNDES, o BNDESPar e o FFIE poderão ceder ao Tesouro Nacional o direito de subscrever, em parte, as ações da Petrobras. Dessa forma, o Tesouro poderá aumentar a sua participação no capital da petroleira. Se esse for o caminho adotado, a receita que "sobrará" no caixa será menor.

Mas o contrário também poderá ocorrer. O Tesouro Nacional poderá ceder ao FFIE o seu direito de subscrição de parte das ações da Petrobras, o que aumentará a "sobra" no caixa. Na semana passada, o governo autorizou o BNDES e a Caixa Econômica Federal a permutarem ou alienarem 217,4 milhões de ações ordinárias da Petrobras ao FFIE.

Essa operação indicaria uma decisão do governo de transferir dos dois bancos públicos o ônus financeiro de ter que exercer o direito de subscrição, passando o encargo ao FFIE, que possui mais dinheiro disponível no caixa.

Dependendo da estratégia a ser utilizada, a "sobra" de receita que ficará no caixa do Tesouro, depois da operação de capitalização da Petrobras, poderá ser suficiente não apenas para garantir o superávit primário de 3,3% do PIB, mas, também, para destinar novos recursos ao Fundo Soberano do Brasil.

A criativa engenharia de capitalização da Petrobras resultará, na prática, em uma antecipação de receita com o petróleo do pré-sal, que sequer foi explorado, e permitirá ao governo federal financiar o forte crescimento de suas despesas este ano.

De janeiro a julho, as despesas do Tesouro Nacional cresceram 18,2% em relação a igual período de 2009, ou seja, o crescimento real dos gastos (descontada a inflação) é superior a 12%. O aumento das despesas supera o crescimento do PIB previsto para 2010 em 4,1%, segundo estimativa da própria Secretaria do Tesouro Nacional.

O que se pode questionar é se essa "sobra" a ser obtida com a receita antecipada do pré-sal deveria mesmo ser utilizada para o financiamento do gasto corrente deste ano ou seria preferível já começar a poupar esses recursos para investimentos prioritários do país.