Título: Deflação externa e juro neutro pautam debate
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 16/09/2010, Finanças, p. C5

De São Paulo

A perspectiva de manutenção de um cenário externo deflacionário e o nível do juro neutro no Brasil são os temas que devem capitanear as discussões entre economistas que se reúnem com o Banco Central nesta quinta-feira em São Paulo e, amanhã, no Rio de Janeiro. O encontro trimestral, com o objetivo de municiar o BC de informações que arrematarão o Relatório de Inflação do terceiro trimestre, coincide com o fim do ciclo de aperto monetário resumido em alta da taxa Selic de 2 pontos percentuais e muita controvérsia.

O cenário externo tende a catalisar os debates por ser considerado a base das decisões recentes tomadas pelo BC a respeito da política monetária. O juro neutro é outro alvo de reflexão que o mercado acredita ser compartilhada dentro do BC, que não hesitou em dedicar um inédito parágrafo ao assunto na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) - exatamente a que justificou a manutenção da Selic em 10,75% ao ano. O perfil do BC do próximo governo também é discutido entre os economistas, mas não chega a preocupar. "As pesquisas apontam a vitória da candidata Dilma Rousseff e nada indica que haverá surpresa ou ruptura no BC. Os comentários são de que o Meirelles [Henrique Meirelles, presidente do BC] vai continuar. Mas, se não continuar, com certeza ele influenciará na escolha do sucessor. E a linha conservadora deve persistir na instituição", avalia um economista.

A opinião de que o viés externo é deflacionário prevalece entre os economistas, mas ainda sem inspirar consenso. "A questão é saber o quanto está ruim a economia no mundo e alguns países em particular devem ser monitorados porque os bancos centrais desses países e do Brasil comportam-se de forma semelhante. Um caso é a Austrália", alerta um economista que vê completa semelhança nas discussões travadas nos dois países. "Lá, como aqui, discutiu-se muito o ciclo de alta do juro em 2009 e, agora, discute-se também se o aperto já promovido é suficiente para trazer a economia para o potencial".

Outros economistas ponderam que a manutenção da Selic na última reunião do Copom, há duas semanas, chancelou a expectativa de que o juro deste ano está definido. Mas o mercado já está novamente dividido. Desta vez, a respeito da trajetória do juro em 2011, o que pode pautar um aumento considerável na volatilidade do mercado futuro. "A volatilidade deve crescer porque surpresas de inflação virão e para cima, fortalecendo a corrente de analistas que defende um reaperto da política monetária no ano que vem. Inclusive, porque consideram que a alta recente da Selic não freou o ritmo da atividade", comenta outro participante das reuniões que está convencido de que o o BC dificilmente mexerá nos juros pelo menos no primeiro semestre de 2011.

Este economista pondera que o primeiro quadrimestre será favorável para a inflação, no mínimo, por um efeito estatístico. "No cálculo da inflação acumulada em 12 meses haverá substituição de índices bem elevados por outros certamente mais baixos. Portanto, a inflação em 12 meses pode chegar a algo entre 4,20% e 4,40% em abril ou maio. É difícil imaginar que o BC elevará o juro nessa circunstância, a menos que o cenário externo sofra forte reversão", completa.

A possibilidade de o BC estar privilegiando a leitura e a análise de indicadores no curto prazo é outro ponto de discórdia entre economistas. "O alcance da avaliação do BC faz diferença", assegura um deles, para quem uma visão de prazo mais longo, por exemplo, pode reforçar a visão do BC sobre a desinflação global. "Já uma visão de curto prazo poderá ser contaminada por choques que possivelmente virão. Nos preços dos alimentos, por exemplo, puxando a inflação", diz a fonte.

Quanto ao juro neutro no país, a expectativa de economistas consultados pelo Valor é de que as discussões nas reuniões trimestrais contribuam para o BC "lapidar" o conceito de juro neutro, apresentando referências quantitativas no próximo Relatório de Inflação, dando sequência ao RI de junho que abordou o assunto também explorado, depois, na ata do Copom. O mercado sabe, porém, que o BC não tem compromisso com determinada taxa de juro e sim com a convergência da inflação para a meta.

Os economistas concordam que o juro neutro - aquele que é suficiente para manter a inflação na meta sem prejudicar o crescimento econômico - é de difícil aferição. No entanto, alguns reconhecem que a evolução dos juros nominais no Brasil sugere queda do juro neutro ao longo do tempo. Contribui para essa percepção o fato de o Brasil estar cumprindo sistematicamente a meta de inflação, de 4,5%, desde 2004. "A meta tem sido alcançada, portanto, com Selic nominal cada vez menor", pondera outra fonte.

As projeções do mercado para o juro neutro têm oscilado de 5,5% a 8%. E um profissional pondera que, a partir da Selic atual, que poderá estar valendo até o final de 2011, é possível avaliar que o BC trabalha com juro neutro de 5,5% a 6%. "Mas esse intervalo não é consenso entre os analistas", diz o economista. "Logo, o BC precisará convencer o mercado de que essas taxas são viáveis", acrescenta.

Ao provocar uma discussão sobre o juro neutro, o BC leva o mercado a fazer, inclusive, uma reflexão sobre projeções para a Selic que mostram disparidade em horizontes mais amplos, o que não deveria estar ocorrendo, considerando que os economistas trabalham a partir de informações basicamente idênticas e aplicam modelos econométricos também semelhantes. Por trás da disparidade de projeções podem estar, portanto, avaliações muito diferentes de juro neutro.