Título: Juros e gastos mantêm déficit público elevado
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 22/09/2010, Brasil, p. A5

De São Paulo

O Brasil gastou R$ 182 bilhões com o pagamento de juros nos 12 meses até julho deste ano, o equivalente a 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB), nível quase idêntico aos 5,38% do PIB de 2009. Esse valor equivale a pouco mais de quatro vezes o total de investimentos realizados pela União no período, que atingiu R$ 44,3 bilhões.

A combinação de gastos com juros em níveis elevados e de um superávit primário inferior aos anteriores à crise deve impedir que o setor público retome a trajetória de queda do déficit nominal (resultado das contas públicas que inclui os gastos com juros) iniciada em 2006 e interrompida no ano passado por conta do impacto da turbulência na economia global.

Depois de chegar a 1,9% do PIB em 2008, o déficit nominal subiu para 3,33% em 2009, mesmo patamar no qual tem oscilado este ano, no acumulado em 12 meses. Para 2010, a expectativa é de um superávit primário em torno de 2,5% do PIB, abaixo dos 3,54% de 2008 e um pouco acima dos 2,05% de 2009. Dado o desempenho fiscal de janeiro a julho, é altamente improvável que as despesas financeiras fechem 2010 próximas de R$ 172 bilhões, ou um pouco abaixo de 5% do PIB, como alguns analistas esperavam no começo do ano.

O aumento da dívida em títulos do governo federal - em parte devido à operação de capitalização do BNDES pelo Tesouro -, a alta da taxa Selic entre abril e julho, de 8,75% para 10,75% ao ano, e o custo de acumulação de reservas internacionais são alguns dos fatores que explicam a elevação dos gastos financeiros nos últimos meses, diz o economista Felipe Salto, da consultoria Tendências , que estima despesas de R$ 184,6 bilhões com juros neste ano, ou 5,23% do PIB. Em 2009, essas despesas totalizaram R$ 169,1 bilhões.

"O efeito da capitalização do BNDES já começa a aparecer na apuração dos juros e deve continuar assim, tanto que mantemos uma proporção de 5,3% do PIB de pagamento de juros para este ano e de 5,2% do PIB em 2011", diz o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale. "Em termos absolutos, isso vai significar algo como R$ 185,3 bilhões neste ano e R$ 195,8 bilhões no ano que vem."

Em 2009 e 2010, o governo injetou R$ 180 bilhões no BNDES, emitindo títulos que, em sua maioria, não venceram, observa Salto. Dada a diferença entre o que Tesouro paga para levantar recursos no mercado e o que recebe do banco de fomento, há um aumento dos gastos com juros, diz o economista-chefe do Santander, Alexandre Schwartsman. Ele lembra que a conta de juros reflete a diferença entre as despesas e as receitas financeiras do setor público (União, Estados e municípios e estatais).

Segundo Salto e Schwartsman, também influi no aumento dos gastos com juros a forte acumulação de reservas, que subiram de US$ 239 bilhões, no fim de 2009, para os atuais US$ 268 bilhões. Quando compra dólares para as reservas, o Banco Central (BC) injeta reais na economia, que são "enxugados" posteriormente por meio de operações compromissadas, nas quais a autoridade monetária toma recursos do mercado por um prazo determinado.

A acumulação de reservas torna o país mais resistente a choques externos, mas tem custo fiscal elevado, já que o BC aplica os dólares no exterior, a juros baixíssimos, e paga taxas elevadas para retirar reais de circulação, tendo a Selic como referência. Salto estima que, a cada alta de um ponto percentual das reservas, as operações compromissadas sobem 1,1 ponto.

Os gastos com juros como proporção do PIB estão hoje bem menores do que em 2003, por exemplo, quando alcançaram 8,43% do PIB, mas podem ter encontrado na casa de 5% a 5,5% do PIB um piso para os próximos anos, dizem analistas como Vale e Schwartsman. Para Vale, esse quadro é o resultado de opções do governo, como manter um superávit primário (a economia para pagar os juros da dívida) menor e se endividar para capitalizar o BNDES. "Isso impede uma queda maior da dívida na comparação com o PIB", afirma ele, que projeta superávit primário de 2% neste ano. Salto aposta num número maior, de 2,63% do PIB, mas também inferior aos 3,3% do PIB da meta deste ano.

Num cenário de superávit primário mais baixo, o déficit nominal pouco deve se alterar neste ano, aposta Vale. Para ele, o número deve ficar em 3,3% do PIB neste ano, em linha com os 3,33% do PIB de 2009. Para Schwartsman, como não deve haver grande mudança nos gastos com juros e nem num superávit primário, o déficit nominal deve se manter nos atuais patamares. Já Salto, por trabalhar com um esforço maior para pagar a dívida, projeta déficit de 2,6% do PIB.

Mesmo se ficar perto de 3,3% do PIB, é um déficit bastante comportado na comparação internacional. Para combater os efeitos da crise, muitos países aumentaram fortemente o gasto público, não sendo incomuns déficits próximos a 10% do PIB - no Reino Unido, por exemplo, o rombo deve chegar a 10,4% do PIB neste ano.