Título: A explosão do crédito já preocupa governo chinês
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Fonte: Valor Econômico, 22/09/2010, Opinião, p. A12

O forte crescimento chinês contribuiu de modo significativo para evitar que o planeta sucumbisse à crise internacional. A expansão acelerada de 9,1% em 2009 e 11,1% no primeiro semestre deste ano esconde, porém, várias bolhas, que precisam ser monitoradas. Uma delas é o salto do crédito, que põe em risco os bancos chineses. Apesar de o sistema financeiro chinês ter forte participação estatal e pouca penetração internacional, qualquer abalo pode comprometer a pujança da locomotiva, com consequências globais.

O governo chinês abriu as torneiras do crédito durante a crise para estimular a economia, até porque podia contar com os bancos, majoritariamente estatais. A maioria dos países desenvolvidos não pode fazer isso porque o sistema financeiro quebrou e ficou paralisado pela crise internacional.

Em 2009, a concessão de crédito praticamente dobrou na China, para US$ 1,4 trilhão, valor equivalente a um terço do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Tudo indica que, neste ano, mais US$ 1 trilhão tenha sido concedido no primeiro semestre, apesar de algumas estatísticas serem pouco transparentes.

Nessa escalada, é inevitável que a qualidade das carteiras seja posta em dúvida e as operações problemáticas estejam se amontoando nos bancos. Mais da metade do crédito de médio e de longo prazos concedido nesse período foi destinada a investimentos em infraestrutura. Apenas 10% foram direcionados à indústria, como a siderurgia, que também é predominantemente estatal.

Os créditos para a infraestrutura foram tomados principalmente por empresas de investimento dos governos provinciais, que construíram estradas, linhas ferroviárias e obras de saneamento. Se os recursos foram bem empregados, os empréstimos poderão ser saldados com a receita de pedágios e tarifas de serviços públicos. Acredita-se porém que houve exageros e má administração.

Na semana passada, o primeiro-ministro Wen Jiabao manifestou a preocupação com os empréstimos feitos às empresas de investimento regionais, que equivaleriam a um quinto do PIB. Na avaliação do governo, apenas um quarto desse crédito tem garantias sólidas. Isso foi suficiente para surgirem os rumores de que a concessão de novos empréstimos será limitada. Uma explosão de inadimplência exigirá uma operação de salvamento do governo chinês, com a injeção de capital nos bancos, que restringirão suas finanças e, portanto, sua capacidade de puxar a economia.

O governo chinês já vem tomando medidas para reduzir o afrouxamento monetário por meio da concessão do crédito, com o aumento dos juros, exigências de garantias e operações de venda de títulos.

Mas, como se pilotasse um transatlântico, as manobras do governo chinês são cautelosas e graduais. É o que também está ocorrendo com o câmbio. Durante a crise, o governo chinês voltou a atrelar a cotação da sua moeda ao dólar, em julho de 2008. Em 19 de junho, porém, o governo restabeleceu a taxa de câmbio atrelada a uma cesta de moedas (dólar americano, euro, iene, libra, dólar de Hong Kong e ringgit da Malásia); e administrada, de modo a admitir flutuações diárias de 0,5%, em relação a uma taxa fixada pelo governo na abertura do mercado. Nesses três meses, o yuan se apreciou apenas 1,87% em relação ao dólar, passando dos 6,8275 por dólar em que estava antes da mudança para 6,6997 nesta semana.

O principal foco de preocupação do governo é o crédito para os veículos de investimento dos governos provinciais. Por isso, a Comissão de Regulação dos Bancos da China (CRBC), que supervisiona o sistema financeiro local, já determinou aos bancos que reavaliem essas operações e exijam garantias adicionais, se forem necessárias, especialmente no caso de projetos cuja receita é insuficiente.

Em meio a esse problema, o governo chinês tem que discutir o enquadramento dos bancos locais às novas regras de capital mínimo do Acordo da Basileia. Segundo a CRBC, os bancos chineses têm um índice médio da Basileia de 11%, sendo de 9% o índice de capital de alta qualidade (ações e lucros retidos). Mas o novo acordo ampliou as exigências.

Sinal de que os bancos chineses já estão passando apuros é a verdadeira caçada a depósitos, recentemente coibida pelos reguladores. Para atrair o dinheiro dos clientes, os bancos passaram a oferecer prêmios, viagens grátis e até empregos para parentes.