Título: Ficha Limpa é arremedo de lei, diz Peluso
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2010, Política, p. A11

O julgamento sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa para as eleições deste ano foi adiado, ontem, por pedido de vista do ministro José Antonio Dias Toffoli, após um impasse criado depois que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, levou uma questão nova que, se for aceita, pode anular completamente a lei. Peluso questionou a forma de aprovação da Lei pelo Congresso. Ele alegou que o texto foi modificado pelo Senado, após ser aprovado pela Câmara dos Deputados. Na Câmara, o texto original dizia que políticos "que tenham sido" condenados por um tribunal colegiado, de 2ª instância, não poderiam mais concorrer às eleições. Já o texto do Senado falou em políticos "que forem condenados".

Para Peluso, o texto deveria ter retornado à Câmara, com a nova redação dada pelo Senado, para nova votação. Só assim a lei seria válida. Segundo ele, no Senado não houve apenas uma emenda para corrigir problemas de redação. O Senado mudou o tempo verbal da Lei da Ficha Limpa, o que faria com que ela só atingisse os políticos que forem condenados no futuro. "Temos um caso de arremedo de lei", disse o presidente do STF. Ele argumentou que houve a "violação do devido processo constitucional legislativo". Por isso, a lei deveria ser declarada inconstitucional.

A questão não havia sido levantada nem pelos advogados de Joaquim Roriz, contrários à lei, cujo caso começou a ser julgado ontem, nem pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, favorável à regra da Ficha Limpa.

"Isso não foi alegado", protestou o ministro Ricardo Lewandowski. "Está me parecendo um salto triplo carpado hermenêutico", completou o relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto, provocando risos no plenário do STF. "Essa afirmação pode ser interessante do ponto de vista publicitário", rebateu Peluso. "Mas, do ponto de vista jurídico, Vossa Excelência sabe que isso não leva a coisa nenhuma", completou, insistindo que o problema deveria ser discutido pelo tribunal.

Ontem, apenas Britto proferiu um voto inteiro. Primeiro, ele indicou aos demais ministros que a definição do processo de Roriz vai servir como direcionamento para todos os políticos que foram considerados inelegíveis pela regra da Ficha Limpa. Roriz é candidato ao governo do Distrito Federal pelo PSC, mas foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter renunciado ao Senado, em 2007, para fugir de um processo de cassação de seu mandato. Neste ponto do voto de Britto, todos concordaram.

Em seguida, ele fez um amplo voto a favor da lei, rebatendo ponto a ponto as colocações dos advogados de Roriz. Após o voto de Britto, Peluso levantou a questão sobre a mudança feita pelo Senado no texto da lei e o STF se dividiu. Britto, Lewandowski, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Joaquim Barbosa foram contrários a Peluso. Já Gilmar Mendes, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello indicaram, durante os debates, que podem concordar com o presidente do STF. Ellen Gracie, cujo voto pode desempatar a questão, ficou em silêncio durante toda a sessão. O caso estaria, portanto, num empate parcial: quatro votos a quatro.

Se superarem a questão de Peluso e continuarem no exame da lei, os ministros do STF terão de discutir outros temas igualmente polêmicos e que devem dividir a Corte. Primeiro, eles terão de definir se a regra da Ficha Limpa fere o princípio da anualidade, pelo qual leis que alteram o processo eleitoral só podem valer um ano depois de promulgadas. A Lei da Ficha Limpa foi aprovada, em junho deste ano e, por essa regra, só poderia valer a partir de 2011. Em seguida, há o debate sobre o alcance da lei para políticos que foram condenados ou que renunciaram aos seus mandatos antes de ela entrar em vigor. Depois, há a questão da presunção da inocência: se a lei fere o princípio pelo qual ninguém pode sofrer uma pena antes de ser julgado em definitivo. E, por fim, se a lei pode atingir atos jurídicos já consumados, como a renúncia de políticos.

Em meio a todas essas questões, há um pano de fundo: a necessidade de ética e de moralização na política. Toffoli se comprometeu a levar seu voto hoje. O julgamento deve recomeçar a partir das 14h.