Título: Suspeitas sobre a Casa Civil têm de ser investigadas logo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/09/2010, Opinião, p. A14

Pela segunda vez no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o espectro de escândalos bate às portas da Casa Civil, a antessala da Presidência. Quando isso ocorreu, os ministros foram demitidos - José Dirceu, sob a suspeita de ser o articulador do "mensalão", um esquema de "convencimento" dos partidos que orbitavam em torno do governo chancelado com dinheiro vivo; e, agora, Erenice Guerra, pessoa de estreita confiança da candidata petista à sucessão de Lula, Dilma Rousseff. Contra ela há suspeitas de que seu núcleo familiar agia como uma verdadeira holding de negócios ilícitos e tráfico de influência.

Erenice Guerra teve uma carreira distante do público e só foi alçada ao que pode ser considerado o mais poderoso ministério da Esplanada graças a suas relações com Dilma Rousseff. O cargo concentra muito poder, a ponto de, pelo visto, eximí-lo do cumprimento de regras elementares da administração pública. Quando começaram a aparecer as denúncias de que o filho de Erenice, Israel Guerra, teria intermediado um contrato entre a empresa aérea MTA e os Correios, e a própria Erenice teria se reunido com um lobista e o filho - socialmente, segundo alegou -, a Comissão de Ética da Presidência censurou a ministra por ela ter se recusado várias vezes a apresentar um documento, a Declaração Confidencial de Informações. Com ela, é possível acompanhar a evolução de seu patrimônio e saber quais de seus parentes trabalham no serviço público ou fazem negócios com empresas do governo.

Foram informações sobre a família de Erenice e seus supostos negócios que justamente iniciaram um escândalo. Quase todos têm passagem pelo serviço público e, apontam as denúncias, vários podem ter usado o poder em ascensão de Erenice para facilitar transações sobre as quais teriam cobrado comissões.

O marido, José Roberto Camargo Campos, prestou serviços à Eletronorte, quando sua esposa era conselheira da estatal. Coincidência ou não, foi consultor da Unicel do Brasil quando a empresa ganhou aval inédito da diretoria de telecomunicações da Presidência para um serviço experimental ("Folha de S. Paulo", 19 de setembro). Nesta época, Erenice já era secretária-executiva da Casa Civil e Dilma Rousseff, a ministra. Como sócio da Matra Mineração, pequena empresa de Brasília, deve ter ficado satisfeito quando soube que a companhia havia obtido, pouco depois de ingressar na companhia, o perdão de 14 multas e autorização para explorar calcáreo em Goiás pelo Departamento Nacional de Produção Mineral. ("O Globo", 20 de setembro).

Mais próximo da Casa Civil chegou Israel Guerra e seu irmão Saulo, dono formal da Capital Assessoria e Consultoria, que teria intermediado o contrato da MTA com os Correios. Vários amigos de Israel, também sob suspeitas, foram trabalhar na Casa Civil quando sua mãe era secretária-executiva. Um deles é Vinicius Castro, cuja mãe também é sócia da Capital. O outro é Stepan Kanezevic, citado por dois lobistas, Fabio Baracat e Rubnei Quicoli, como um facilitador para a obtenção, mediante comissão, de empréstimos do BNDES.

A própria Erenice teve uma atuação rápida ao fulminar parte da diretoria dos Correios, segundo ela a pedido do presidente Lula. Ela indicou Artur Rodrigues da Silva como diretor de operações dos Correios. Artur foi presidente da MTA, a mesma firma que teria usado os serviços de Israel Guerra para ganhar um contrato 20 dias antes.

Sem relação com o escândalo atual está a irmã de Erenice, Maria Euriza Alves de Carvalho, que trabalhou na Empresa de Pesquisa Energética, onde teria contratado sem licitação o escritório do irmão, Antonio Eudacy, a Trajano & Silva.

É do interesse do governo, de sua candidata e da nação que seja feita uma investigação ampla e rápida de todas as denúncias. O fato de existir interesses eleitorais evidentes envolvidos não implica concluir que elas são falsas. O caso segue um padrão que já se tornou costumeiro nos escândalos da República e boa parte das suspeitas pode ser verdadeira.

Erenice Guerra foi a mais influente pessoa no governo a ter o aval de Dilma, franca favorita nas pesquisas O risco de jogar as suspeitas para baixo do tapete é a possibilidade de uma presidente da República iniciar seu mandato já sob ameaça constante de investigações sobre seu passado. Esse cenário teria um alto custo para o novo governante e para o país. É um prato feito para a oposição e o caminho reto para se tornar refém de aliados como o PMDB.