Título: Governo quer 70% da Norte-Sul pronta este ano
Autor: Borges , André
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2010, Brasil, p. A3

A Ferrovia Norte-Sul (FNS), projetada para ser a espinha dorsal da malha ferroviária do país, ainda não transporta nem a sombra da capacidade que terá quando suas obras forem concluídas, mas já carrega sobre os trilhos o peso de 18 contratos com indícios de irregularidades, todos sob investigação no Tribunal de Contas da União (TCU).

As investigações, de acordo com os processos, envolvem todo tipo de suspeita, de pagamentos por serviços que não foram prestados a licitações viciadas e sobrepreço em obras contratadas. A lista de contratos examinados pelo tribunal inclui as empreiteiras SPA Engenharia, Odebrecht, C.R. Almeida, TiiSA, Galvão Engenharia, Constran, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. Como medida cautelar, alguns desses contratos tiveram parte de seus pagamentos bloqueados enquanto as investigações não são concluídas. É o caso de contratos firmados com a TiiSA e a SPA Engenharia, com retenção de 10% do valor, com a Camargo Corrêa (9,28%) e com a Queiroz Galvão (3,54%). No caso da Andrade Gutierrez, a construtora conseguiu suspender na Justiça a retenção de 10% de seus contratos.

Em meio às investigações, irregularidades e disputas judiciais, a Ferrovia Norte-Sul começa a sair do papel. Apesar do número de processos, o TCU concluiu que, ao menos por enquanto, não é necessário paralisar nenhum trecho da construção. "As obras seguem a todo vapor. Todas as informações solicitadas pelo TCU foram enviadas e os processos estão em andamento, não há razões para interromper os trabalhos", diz José Francisco das Neves, presidente da Valec, estatal responsável pela construção da Norte-Sul.

Prioridade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o trecho Norte da ferrovia deve, finalmente, estar concluído nos próximos dias, diz Neves. O governo corre contra o relógio para entregar os prometidos 719 quilômetros de trilhos que vão ligar o município de Açailândia, no Maranhão, - onde a rede se conecta à Estrada de Ferro Carajás - até Palmas, no Tocantins. Destes 719 km, 215 já estavam prontos quando o PAC foi lançado. Atualmente, há trechos intermediários prontos no eixo Norte que já estão sendo usados pela Vale.

Apesar de citado como "adequado" no balanço de obras do PAC, o trecho Norte da Norte-Sul, concedido para a Vale em 2007, quando a mineradora venceu o leilão com a proposta de R$ 1,48 bilhão para explorar da ferrovia por 15 anos, tinha prazo inicial para ser entregue em dezembro do ano passado, mas a Valec não conseguiu cumprir o prazo devido aos processos envolvendo as obras. O cronograma foi estendido para abril, depois para julho. Agora se fala em "poucos dias". "O trecho já está praticamente pronto, estamos só aguardando uma data na agenda do presidente Lula para fazer a inauguração", diz o presidente da Valec. "Quando essa obra ficar pronta, ninguém mais segura esse país."

Com extensão de 2.244 km, partindo do Maranhão até chegar à cidade de Estrela d"Oeste, em São Paulo, a Ferrovia Norte-Sul já foi um projeto dado como morto. A construção da ferrovia teve início em 1987, durante o governo José Sarney. Depois de duas décadas, tinha avançado tímidos 215 quilômetros, nem 10% do projeto original.

Em 2007, com o PAC, o projeto voltou à carga. De lá até o fim deste ano, a obra vai receber R$ 4,77 bilhões. O governo garante que, até o dia 20 de dezembro, será entregue também uma boa parte do trecho Sul da obra, um percurso de mais 855 quilômetros, que vai ligar Palmas a Ouro Verde (GO).

Para o ano que vem, está reservado mais R$ 1,75 bilhão, dinheiro que será usado para que a ferrovia chegue até a cidade paulista de Estrela d"Oeste, uma trilha de mais 670 km. Na sexta-feira, era esperado que a Valec divulgasse o consórcio vencedor para a construção desse último trecho da Norte-Sul, mas algumas empresas, que foram barradas na análise técnica de suas propostas, pediram uma nova avaliação da estatal. A expectativa é de que o resultado saia nesta semana.

"Nosso objetivo é que as obras deste último trecho comecem ainda neste ano", diz Miguel Mazela, secretário de gestão do Ministério dos Transportes.

As obras, segundo Mazela, devem levar dois anos para serem concluídas. Antes disso, porém, o governo pretende realizar os leilões para as subconcessões (de operação) na malha. "A expectativa é fazer esses leilões no início do ano que vem. Pelo andamento das obras, as empresas já entenderam que, dessa vez, a Norte-Sul vai sair. É um caminho sem volta", diz ele.

As empresas cujos contratos estão sendo analisados pelo TCU foram procuradas pelas reportagem. A Camargo Corrêa informou, por meio de nota, que está prestando todos os esclarecimentos ao TCU. A Andrade Gutierrez disse que não iria se pronunciar sobre o assunto. A TiiSA e a SPA Engenharia não retornaram ao pedido de entrevista, e a Queiroz Galvão informou que está cumprindo regularmente o cronograma da obra e quer prestou todos os esclarecimentos necessários ao TCU.