Título: Riscos da AL se tornam bons negócios
Autor: Moura , Marcos
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2010, Internacional, p. A13

No começo do ano, executivos de uma empresa de energia europeia interessada em adquirir fatia majoritária de uma companhia chilena sentiram que seus planos poderiam estar ameaçados. Os chilenos tinham acabado de eleger Sebastián Piñera como presidente e o grupo europeu não estava seguro quanto às perspectivas do negócio sob o novo governo. O Chile é um país com baixo risco político e de segurança, mas, por estar numa região onde essas são preocupações crescentes entre investidores, os europeus se preocuparam. Procuraram então uma das maiores empresas globais de gestão de risco, a britânica Control Risks. "Mapeamos que eles poderiam sofrer com pressões de novas regras ambientais, que um conselheiro da empresa chilena era um antigo aliado da ex-presidente do país [a quem Piñera fazia oposição] e que era suspeito de envolvimento em um escândalo. Além do mais, ONGs ambientalistas estavam criando dificuldades para outros empreendimentos semelhantes. Tudo isso poderia trazer problemas para os europeus", disse Geert Aalbers, gerente-geral e diretor de investigações corporativas para a América Latina da Control Risks, em seu escritório em São Paulo. A aquisição ainda está sendo negociada, agora com um plano de ações para reduzir os potenciais atritos no Chile.

O interesse crescente de multinacionais em ampliar sua presença na América Latina - principalmente nos setores de petróleo, gás e mineração - tem sido acompanhado de um aumento na demanda por serviços de avaliação, gestão e de seguros contra riscos políticos, segundo especialistas ouvidos pelo Valor.

Com um histórico de instabilidade política, interferência estatal em investimentos privados, quebras de contratos e expropriações e também de violência e insurgências, a região tem se tornado um filão importante para consultorias como a Control Risks. A empresa ajuda a garantir a segurança de diplomatas e funcionários de empresas em países muito mais difíceis, como Iraque e Afeganistão.

"Temos tido muita procura de empresas de petróleo, gás e mineração com projetos na América Latina, de olho muitas vezes na demanda da China", diz o holandês Aalbers. "O foco aqui são os riscos políticos e sociais. Houve um grande crescimento dessa área para a Control Risks."

Venezuela, Argentina, Equador, Bolívia, Peru, Brasil e mais recentemente o México são países onde as multinacionais se mostram mais interessadas em contratar especialistas em risco, seja para avaliar o grau de dificuldades de remeter lucros para a matriz, a possibilidade de quebra de contrato, de expropriações, de problemas com indígenas ou de violência.

Além da empresa britânica, que tem sede em Londres, as americanas Kroll e Aon estão entre outras das grandes consultorias internacionais da área de risco com atuação no Brasil e na região.

Todas oferecem avaliações e medidas para mitigar os riscos. É um serviço diferente dos prestados por bancos e consultorias tradicionais e às vezes envolve investigação de campo, montagem de dossiês, sugestões de contatos governamentais e até orientação de financiamento de projetos sociais para angariar a simpatia do público. Em alguns casos envolve também uma estratégia de segurança armada para proteger executivos, funcionários e veículos de transporte.

Segundo Eduardo Gomide, diretor da Kroll no Brasil, um fator que também tem levado multinacionais a procurarem os especialistas em risco é o temor de fazer negócios, como fusões e aquisições, com empresas ou pessoas que possam manchar sua reputação por problemas de corrupção.

"As auditorias costumam fazer um trabalho de due diligence mais geral, nós vamos além, checando a reputação de empresas e pessoas na região, se têm envolvimento ou doam dinheiro para partidos políticos, se há aspectos legais em questão, informações que num balanço tradicional não aparecem."

Em 2004, a Kroll foi apontada como responsável por montar um suposto esquema de grampos telefônicos que teria atingido até autoridades do governo federal. A empresa, que sempre negou ter feito escutas clandestinas, havia sido contratada pela Brasil Telecom para a investigar a Telecom Italia.

As empresas de risco têm como mantra a ideia de que sua missão é viabilizar negócios. "Raramente dizemos ao cliente: "Não dá pra fazer negócios aqui". Nunca dissemos "não" a um projeto na América Latina", diz Aalbers. Mas os custos dos riscos em alguns países da região têm subido muito em função de medidas vistas por investidores como antimercado.

"Fizemos recentemente uma cotação de seguro contra quebra de contrato a pedido de uma empresa brasileira de equipamentos que queria investir no Equador", conta o alemão Keith Martin, diretor comercial e de investimento internacional da Aon, sediada no Rio.

Na Venezuela, os seguros desse tipo viraram raridade. Seria custoso demais.