Título: Um dinheiro do pré-sal que deveria ser poupado
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2010, Opinião, p. A14
Sabe-se agora que a operação de capitalização da Petrobras, que será concluída ao final deste mês, resultará em uma receita extra considerável para os cofres do Tesouro Nacional. Por meio de uma engenhosa operação financeira, até agora não muito bem explicada oficialmente, o governo federal conseguirá antecipar os primeiros recursos do petróleo que ainda será extraído da camada do pré-sal. A questão, agora, é conhecer como esse dinheiro vai ser gasto.
A operação montada pelo governo pode ser resumida da seguinte forma: a União cedeu 5 bilhões de barris de petróleo da camada do pré-sal ainda não licitada à Petrobras e, em troca, receberá R$ 74,8 bilhões. Esses recursos seriam utilizados para capitalizar a estatal petroleira, mas o Tesouro Nacional não precisará usar toda a quantia.
Hoje a União possui 39,79% do capital social da Petrobras, sendo que, deste total, 29,65% estão, atualmente, com o Tesouro Nacional, e o restante é dividido entre o BNDES, BNDESPar, e o Fundo Fiscal de Investimento e Estabilização (FFIE), um instrumento do Fundo Soberano do Brasil (FSB).
Com as cotações atuais das ações da Petrobras, o Tesouro deve gastar cerca de R$ 41 bilhões para exercer a subscrição a que tem direito. Haverá, portanto, uma "sobra" de R$ 33,8 bilhões da quantia que a União receberá da estatal pelos 5 bilhões de barris de petróleo. As outras entidades governamentais que possuem ações da Petrobras terão que apelar para os seus próprios recursos para fazer a subscrição.
Como a União deverá elevar a sua participação no capital social da Petrobras, pois nem todos os acionistas privados exercerão integralmente o direito de subscrição, provavelmente a "sobra" será menor. A expectativa dos analistas de mercado é de que a participação total da União no novo capital da empresa fique em torno de 50%. Se o Tesouro, o BNDES, o BNDESPar e o FFIE subscreverem na mesma proporção do capital que detêm atualmente, a "sobra" ficará em torno de R$ 19 bilhões.
Esse valor poderá ser maior ou menor, pois a Medida Provisória 500, recentemente editada pelo presidente Lula, permite que a União e os demais detentores públicos de ações de empresas estatais federais possam ceder, entre si, o direito de preferência para a subscrição de ações em aumento de capital. O Tesouro poderá ceder parte de seu direito ao FFIE e, desta forma, aumentar a "sobra". Ou o BNDES pode ceder o direito de subscrição ao Tesouro, com objetivo de preservar o seu caixa para cumprir a ambiciosa programação de crédito que está executando. Neste caso, a "sobra" será menor.
Qualquer que seja a quantia que "sobrará" no caixa do Tesouro Nacional nesta operação, os recursos não podem ser utilizados para cobrir os gastos correntes que estão sendo feitos no ano eleitoral. É difícil imaginar que a forte elevação da receita do governo federal em 2010 não seja suficiente para cobrir todas as despesas e fazer o superávit primário do setor público consolidado de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
Na semana passada, a Receita Federal divulgou mais um recorde de arrecadação. Foi o melhor resultado para um mês de agosto da história, com um inacreditável aumento nominal de 20,5% em relação ao mesmo mês de 2009, o que significa aumento real de 15,3%.
Nos primeiros oito meses deste ano, a performance não é diferente. A arrecadação apresentou um aumentou nominal de 18,07% de janeiro a agosto, em relação a igual período de 2009, com um aumento real de 12,6%. É importante notar que isto representa quase 5% acima do crescimento esperado para o PIB este ano. É de se perguntar em qual outro país do mundo, uma arrecadação tributária apresenta resultado semelhante, com tais índices de crescimento.
O governo não pode, portanto, alegar frustração de receitas para utilizar nos gastos correntes deste ano a "sobra" do dinheiro pago pela Petrobras pelos 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal. Mesmo porque toda a argumentação oficial utilizada até agora, e acertadamente, foi no sentido de que as riquezas do pré-sal, que são finitas, seriam utilizadas para fazer investimentos prioritários, principalmente em educação, que refletissem um compromisso com as gerações futuras. Esse é um discurso que precisa ser colocado em prática já com as primeiras receitas do pré-sal.