Título: Peso da indústria no PIB cai para 15,5% e volta ao nível de 1947
Autor: Neumann , Denise
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2010, Brasil, p. A4

Em apenas cinco anos, a indústria de transformação perdeu quatro pontos percentuais de peso no Produto Interno Bruto (PIB) - passou de uma participação de 19,2% em 2004 para apenas 15,5% no ano passado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse é menor percentual desde 1947, quando o Brasil ainda era um país agrícola e não possuía nenhuma montadora de automóveis. Naquela época, 62 anos atrás, a participação foi de 16%. O câmbio valorizado, que encarece as exportações ao mesmo tempo em que torna as importações mais baratas, é uma das causas dessa queda vertiginosa, mas não a única. Há elementos conjunturais (como a recessão dos países ricos), permanentes (como o efeito-China) e os velhos problemas de custos acentuando a perda de competitividade da indústria local. Entre esses, os recentes aumentos reais de salário, o preço da energia e a infraestrutura.

Nos últimos cinco anos, a indústria total (incluindo extrativa, construção e serviços públicos), cresceu 17%, bem abaixo da alta de 26% do PIB no mesmo período. Não é de hoje, contudo, que a indústria vem perdendo espaço na economia brasileira, observa o professor Nelson Marconi, coordenador do curso de graduação da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo. É dele o cálculo que unificou as diversas estatísticas de contas nacionais do IBGE e permitiu comparar a evolução do PIB e seus componentes desde 1947.

Em uma comparação internacional recentemente recuperada pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o Brasil aparece com um peso da indústria ainda menor (14,4%) no PIB, enquanto na China ela era de 35,4% e na vizinha Argentina, de 16,8%, em 2008. No trabalho em que analisa a perda de competitividade da indústria brasileira, Marconi observa que o Brasil chegou "muito cedo" a um percentual tão pequeno de participação da indústria de transformação no PIB. Em outros países, quando a indústria entrou no processo de desindustrialização, a renda média oscilava entre US$ 8 mil e US$ 11 mil, segundo estudos internacionais analisados por Marconi e por Fernando Barbi, doutorando da FGV.

Martoni considera que o processo brasileiro de desindustrialização começou na década de 80, quando a renda per capita do país não havia atingido US$ 4 mil. A renda alta, diz, eleva a demanda por serviços, setor que pode, nesses casos, suprir parte do papel que o setor industrial desempenha como propulsor da economia. No caso brasileiro, estava (e ainda estaria) cedo para a indústria ser substituída pelo setor de serviços.

No Brasil, diz ele, a indústria foi afetada pela crise da dívida nos anos 80 (que reduziu a capacidade de investimento); pela abertura da década de 90 ("um movimento correto, mas com efeitos negativos por ter ocorrido junto com o bloqueio da renda"); e, finalmente, pela abertura do mercado financeiro, do qual o câmbio apreciado dos últimos anos é um reflexo, na opinião de Marconi.

O professor da FGV observa que a mudança no câmbio fez a indústria adotar uma estratégia que ele classifica de "hedge produtivo", em referência às operações do mercado financeiro usadas como proteção às oscilações do câmbio. Para ganhar competitividade face ao bem final importado, a própria indústria ampliou suas importações. Nas contas da Secretaria de Desenvolvimento da Produção, do Ministério do Desenvolvimento (Mdic), o déficit comercial da indústria foi a US$ 23 bilhões nos primeiros oito meses deste ano, valor 150% maior que o de 2008.

Primeiro, diz Martoni, a indústria ampliou a importação de insumos, peças e componentes. Agora, a própria indústria começou a trazer produtos acabados, em um processo que acentua o desmanche das cadeias produtivas, começado pela forte importação de bens intermediários. Para ele, a reversão desse processo passa principalmente por mudanças no câmbio. "Mexer no famoso custo Brasil é importante, mas sem câmbio não resolve, pois ele comeria qualquer ganho de curto prazo", avalia.

Dois economistas de visão distinta, Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações e hoje estrategista e diretor da Quest Investimentos, e Fernando Puga, chefe do Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), discordam que não aja saída fora do câmbio. E discordam também do diagnóstico. Mendonça de Barros vê outros gargalos muito mais sérios que a apreciação da moeda brasileira; Puga credita a perda de espaço principalmente a fenômenos conjunturais ou extrínsecos ao país, como a China.

"O Brasil está perdendo espaço porque é ineficiente", diz Mendonça de Barros. O custo da infraestrutura ineficaz e cara é pior para a indústria do que o câmbio, diz ele, listando energia elétrica (com aumento da oferta térmica) e escoamento da produção. Para Mendonça de Barros, o país tem feito escolhas erradas, além de ser um mau gestor de infraestrutura. "Por que colocar dinheiro no trem-bala e não em uma ferrovia para o Pacífico, para escoar a produção?", questiona. "Essa escolha [do trem-bala) não faz sentido", argumenta. Não é para o Brasil de hoje, diz.

Puga, do BNDES, está convencido de que o fenômeno China é muito importante para explicar a perda de competitividade da indústria nacional. E a China, diz, não é mais só o país que ganha mercados porque tem mão de obra barata. "Há uma política de desenvolvimento, há infraestrutura que funciona, há financiamento para os projetos e há apoio à inovação", lista Puga, falando da China.

Além da concorrência chinesa, Puga vê fatores conjunturais afetando o Brasil. "O mundo hoje é um mundo no qual está mais difícil exportar, a demanda mundial está andando de lado", observa.

Para o Brasil, diz, a agenda é ampla e passa por infraestrutura, financiamento e inovação. Puga considera, contudo, que o Brasil já está adotando políticas corretas nesse "tripé". Ele lista o aumento recente e o que está planejado de investimentos em portos, ferrovias e outras áreas de logística e também o aumento do investimento produtivo, como argumento.

O diagnóstico feito por Martoni, da FGV, o faz defender uma mudança nas regras atuais do mercado de câmbio no Brasil como saída necessária para, pelo menos, estancar seus efeitos perversos sobre a competitividade da indústria. "É preciso regular o mercado futuro", argumenta, defendendo algum tipo de limitação de volume das operações no mercado futuro ou a taxação dessas operações. "O movimento financeiro do câmbio, e não aquele vinculado à produção é o principal responsável pela apreciação do real", diz ele.

Mendonça de Barros discorda. "Não tem muito o que fazer no mercado cambial. O governo está fazendo o que pode ser feito. Países exportadores de commodities, como o Brasil, têm moeda forte", pondera.