Título: Vantagem de Puccinelli segue indiferente a descontrole e denúncia
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 27/09/2010, Política, p. A10

"Bizarro", "folclórico" e "autoritário", para adversários; "sangue quente" e "tocador de obras", para aliados; ou simplesmente "André", como é tratado nas ruas, o governador do Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), candidato à reeleição com chance de vencer no primeiro turno, segundo as pesquisas, enfrenta nesta reta final o maior desafio de sua campanha. Após a Operação Uragano, da Polícia Federal, que levou à prisão o prefeito e nove dos 12 vereadores de Dourados (MS), um novo escândalo abala o processo eleitoral do Estado. Em vídeos na internet, um deputado estadual do PSDB fala sobre suposto esquema de propinas envolvendo os três poderes e cita o governador, de quem é aliado. O pemedebista, que se mantém com mais de 50% das intenções de voto desde o início da campanha, negou tudo e atribuiu a denúncia a interesses eleitoreiros.

Segundo a "Folha de S.Paulo", há trechos do vídeo em que Rigo também cita envolvimento do principal adversário dele na eleição, o ex-governador José Orcírio, o Zeca do PT, em outro esquema, de suposto favorecimento a empreiteira. O petista aparece em segundo lugar, a uma distância de 14 pontos percentuais. Em nota, Zeca diz que a menção a seu nome é tentativa de desviar o foco das denúncias. Ainda é cedo para avaliar a repercussão eleitoral, mas os ânimos devem se acirrar.

Puccinelli é do tipo que não leva desaforo para casa. "Posso admitir que me chamem de obtuso, feio, bronco, mas ladrão eu não sou", afirmou ao Valor, em entrevista anterior ao caso dos vídeos. A conversa ocorreu no Mercado Municipal de Campo Grande, onde o governador fazia corpo-a-corpo, entregando pessoalmente seus santinhos a comerciantes e clientes. Sua relação com os eleitores é "sem frescura", como ele define. Não importa a idade do interlocutor, ele é sempre chamado apenas de "André" - para ser elogiado ou criticado.

Gestões bem avaliadas como prefeito de Campo Grande (dois mandatos) e, agora, como governador, podem explicar a popularidade e o bom desempenho eleitoral, apesar do envolvimento em várias polêmicas. A mais notória foi o episódio no qual chamou o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, de "homossexual e fumador de maconha".

Puccinelli confirma a declaração, mas nega autoria de outra frase, atribuída a ele. Segundo noticiário local, teria afirmado que, se Minc participasse da Meia-Maratona Internacional do Pantanal, em outubro de 2009, "o alcançaria e ele seria estuprado em praça pública". De acordo com o governador, a afirmação foi feita por um dos interlocutores na conversa, e não por ele.

"Não sou idiota. Foi o sujeito que disse.(...)Imputaram a mim. Não tenho muita boa relação com alguns órgãos de imprensa daqui. Tentam achacar. Não pago p... nenhuma para a imprensa", afirma Puccinelli. Com a repercussão negativa, ele depois pediu desculpas ao ex-ministro publicamente.

Nem todos os episódios atribuídos ao governador são confirmados por ele. Nega, por exemplo, notícia segundo a qual teria agredido um eleitor que o chamou de "ladrão"na campanha atual. De acordo com sua versão, foi ele quem levou um tapa do homem, que negou-se a receber um santinho de suas mãos.

"Abordei uma roda e entreguei santinho para todo mundo. O primeiro não quis receber. Eu perguntei a ele a razão. Ele falou: "você é ladrão". Posso admitir que me chamem de obtuso, feio, bronco, mas ladrão eu não sou. Eu pus a mão no ombro dele assim [mostra com gesto] e disse "não sou ladrão". Repeti duas vezes. Me deu tapão na cara pesado", afirmou. Para o governador, o jovem foi "cooptado" pelo PT para acusá-lo de agressão.

A senadora Marisa Serrano (PSDB) defende Puccinelli. "Ele tem sangue quente mesmo e não leva desaforo para casa. Mas sempre pergunto para os eleitores se eles têm alguma coisa para falar contra o André, se ele já esteve envolvido em corrupção. Todo mundo fala que não. As pessoas o têm como excelente administrador, que briga por cada centavo do Estado."

Italiano de Viaregio, região da Toscana, Puccinelli veio para o Brasil com menos de um ano de idade. Médico, foi secretário estadual da saúde (1983 e 1985), deputado estadual por dois mandatos consecutivos (de 1987 a 1995) e deputado federal de 1995 a 1996, quando foi eleito prefeito de Campo Grande. Em 2000, foi reeleito. Deixou o mandato com mais de 90% de aprovação. Em 2006, conquistou o governo do Estado com 61,34% dos votos válidos e, segundo pesquisa do instituto Ibrape, sua gestão atual tem 64% de aprovação.

As polêmicas do governador são alimentadas pelos adversários. Os petistas contam que no início de 2009, Puccinelli declarou ter levado o PT "ao motel", dando a entender que estaria fazendo negociação eleitoral com o partido. Zeca do PT mostra indignação com essa e com outra suposta declaração do governador, de que pretendia "enterrar o PT" junto com Dorcelina Folador, petista assassinada na década de 90, que foi prefeita de Novo Mundo.

Na prefeitura de Campo Grande, Puccinelli praticamente dobrou a área asfaltada da cidade, construiu 21 unidades de saúde, levou computadores para todas as escolas municipais, inclusive pré-escolas, combateu invasões em áreas públicas e começou uma ação para acabar com as favelas - continuada pelo atual prefeito, Nelson Trad (PMDB) -, construiu a primeira aldeia indígena urbana e lançou programa de erradicação do trabalho infantil.

No governo do Estado, Puccinelli exerce mesmo forte controle sobre a administração. É ele que decide a cota de combustíveis para as viaturas da polícia. O governador também controla as diárias de viagens dos secretários de Estado. Faz visitas de surpresa em obras públicas nos municípios para verificar o andamento. "Exerço a autoridade. Autoritário, nunca fui", diz.

De acordo com assessores, tem rigoroso controle das despesas e arrecadação. "Tem perfil previdente", diz um deles. A economia permite que o governador pague os salários dos servidores em dia. Apesar disso, a maior rejeição a Puccinelli parte do funcionalismo. Os adversários dizem que é pela falta de reajuste e forma dura de governar. Para os aliados, é uma "oposição ideológica", por serem os servidores ligados ao PT. Argumentam que o governo termina sem greve do setor, enquanto no governo de Zeca do PT houve paralisações e enfrentamento com a polícia.

O governador mantém uma "reserva estratégica", calculada em aproximadamente R$ 1 bilhão. Essa poupança aumenta a capacidade do Estado de oferecer contrapartida em programas com o governo federal, obras do PAC e financiamentos externos. Puccinelli orgulha-se do programa habitacional do seu governo, que estaria construindo 44 mil casas (número contestado por adversários).

O governador está empenhado em atrair investimentos para o Estado, que, segundo ele, é o que dá a maior concessão de incentivos fiscais e tributários do país. Só a isenção de ICMS é de 90% por no mínimo dez anos. "O Eldorado chama-se Mato Grosso do Sul". Com relação a Zeca, seu antecessor e adversário, diz que, embora do partido de Lula, fez "muito menos" pelo Estado e deixou o governo sem projetos para incluir no PAC (hoje são nove).

Puccinelli é um dos investigados em inquérito que tramita em Segredo de Justiça no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo consta da decisão da ministra relatora, Nancy Aldrighi, a investigação pedida pelo Ministério Público Federal é para apurar supostos delitos previsto na Lei 9.613/98 ("Dos Crimes de Lavagem ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores"). Em novembro de 2009, o STJ encaminhou para a Assembleia Legislativa solicitação de autorização para processar o governador, o que não aconteceu.