Título: Metade dos Estados já tem ferramentas de avaliação
Autor: Cezar , Genilson
Fonte: Valor Econômico, 20/09/2010, Especial, p. G2

As reformas na gestão da administração pública do país ganham força nos Estados brasileiros, embora não ainda na velocidade desejada. Envolvem mudanças importantes em várias atividades governamentais, como saúde, educação, segurança, e na estrutura administrativa, e se transformam num movimento crescente e suprapartidário, na avaliação de Fernando Luiz Abrucio, professor, pesquisador e coordenador do mestrado e doutorado em administração pública e governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), de São Paulo. "Hoje, temos reformas substanciais tanto num Estado governado pelo PSDB, como São Paulo, onde organizações sociais estão assumindo a administração de serviços públicos, como também em Estados como Ceará, governado pelo PSB, que estabeleceu metas no Plano Plurianual (PPA) para atingir medidas de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), ou na Bahia (PT), que criou fundações públicas de direito privado."

"Os instrumentos de gestão são os mais variados, mas todos têm as mesmas aspirações: orientar cada vez mais a administração por critérios de desempenho, responder aos anseios dos cidadãos e criar meios de acompanhamento e avaliação das políticas públicas. Este é um movimento que abarca entre 10 a 14 dos 27 Estados brasileiros. Um conjunto próximo da metade dos Estados e em franca expansão", afirma Abrucio.

De acordo com o professor da FGV, trata-se de um ciclo consistente de reformas da administração pública, que vem se desenvolvendo nos governos estaduais nos últimos 15 anos. No estudo que realiza junto a outros pesquisadores de universidades brasileiras - e que será publicado em livro, brevemente, pelo Conselho Nacional de Secretários de Administração (Consad) -, Abrucio relata várias experiências reformistas realizadas de 2007 a 2010. E mostra que, embora a gestão pública não esteja ainda entre os temas prioritários da agenda das campanhas eleitorais deste ano, a onda reformista já mexe nos modelos de gestão das políticas públicas. "A criação de indicadores de políticas públicas pelo Ministério da Educação para mensurar os resultados da política educacional brasileira, e o monitoramento eletrônico do cadastro dos beneficiários do Bolsa-Família são dois exemplos da nova pauta da gestão pública", destacou Abrucio durante sua apresentação no seminário "Avanços e Perspectivas da Gestão Pública", em Brasília.

Na esfera dos governos estaduais, esse avanço vem se dando por duas razões, segundo o pesquisador: necessidade dos Estados de fazer uma gestão mais eficiente, que utilize melhor o dinheiro público, e por pressão das demandas da sociedade. "Isso tem um efeito de demonstração muito grande. Os Estados que estão fazendo essas reformas e melhorando as políticas públicas ganham legitimidade e passam uma boa impressão para outros Estados", assinala Abrucio.

Ele cita dois casos: a ampla reforma administrativa feita por Aécio Neves em Minas Gerais, e, novamente, o exemplo do Bolsa-Família. "Hoje, tem-se um modelo de monitoramento do Estado muito melhor. Foi criada uma lógica baseada no desempenho. Estão cobrando dos gestores públicos pelo desempenho das políticas públicas, e não se eles carimbaram ou não um documento. Isso não aparece como resultado das políticas públicas em um ou dois anos. Vai aparecer ao longo do tempo."

Em relação ao Bolsa-Família, os resultados serão vistos quando os filhos dos beneficiados alcançarem a vida adulta. "Pode-se criar políticas complementares ao Bolsa-Família, como treinamento e capacitação técnica, algo que já está sendo feito no setor da construção civil, além de criar cooperativas de mulheres etc. Isso ajuda. Mas a porta de saída do Bolsa-Família está nos filhos dos beneficiados, que terão melhor capital humano que seus pais. E a tendência é que isso ocorra. Os dados já estão mostrando isso: as crianças já têm mais anos de escolaridade, estão ficando mais tempo nas escolas. Quanto mais anos de escolaridade essas crianças tiverem, mais provavelmente uma boa parte delas vai começar a chegar daqui a dez anos ao ensino superior. Isso terá um impacto brutal na sociedade", diz.

Nessa trajetória de avanços há percalços a superar. Um dos obstáculos, de acordo com Abrucio, é que os Estados não têm muita clareza ainda sobre a definição de suas competências. "Está muito claro o que o governo federal faz com suas políticas macro, ataques às desigualdades etc. E também o que os municípios fazem. Do lado dos Estados, isso não é tão claro. A coisa é mais nebulosa", observa.

Um segundo obstáculo, adianta, é que os governos estaduais são muito fragmentados, especialmente em sua estrutura administrativa, o que dificulta realizar reformas mais coerentes.

Outra dificuldade é a própria natureza desigual do federalismo brasileiro. Alguns Estados têm uma particular incapacidade de produzir políticas públicas de gestão. Segundo Abrucio, isso é um obstáculo maior nesse avanço.

Além disso, na área de recursos humanos, há empecilhos muito fortes para criar incentivos aos servidores públicos para que se orientem pelo desempenho. Por fim, esclarece o professor da FGV, faltam instituições que pensem no longo prazo. "Embora tenhamos escolas de governo, elas não exercem esse papel de pensar o longo prazo", afirma.