Título: Estaduais lutam contra invisibilidade
Autor: Klein , Cristian
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2010, Política, p. A6

Enquanto a maioria dos cidadãos já escolheu seus preferidos aos cargos majoritários, o posto de deputado quase sempre é relegado a uma decisão apressada, de última hora. Especialmente quando se trata dos deputados estaduais.

Se os concorrentes a uma vaga no Congresso ainda contam com maior destaque, vide os Tiriricas, Malufs, Garotinhos e Romários, o mesmo não se pode dizer dos candidatos a uma cadeira nas Assembleias estaduais. É quase uma eleição oculta. O espaço obrigatório no rádio e na TV garante mais de 40 dias de exposição no horário eleitoral, mas não a audiência e a saída do anonimato, mesmo para os concorrentes de apelo mais amplo ao eleitorado, os chamados candidatos de opinião.

Exceções, como o ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que disputa uma vaga no Rio, ou a senadora Patrícia Saboya, que concorre à Assembleia do Ceará, só confirmam a regra. Com pouca cobertura dos meios de comunicação, mais atentos aos grandes atores da cena política, a eleição para deputado estadual passa praticamente despercebida.

Uma das principais razões para a baixa visibilidade estaria no alto número de candidatos e de partidos, provocado pelo sistema proporcional de lista aberta, afirma o cientista político Lúcio Rennó, da Universidade de Brasília. São 12,7 candidatos por vaga, mais do que os 10,2 da Câmara dos Deputados.

"As regras para as eleições a deputado criam um ambiente de grande complexidade. É difícil para o cidadão ter informações básicas sobre a que partidos os concorrentes pertencem, ou o que fizeram depois de eleitos. Um dos indícios dessa complexidade é que a memória do eleitor seria mais curta para lembrar os nomes daqueles em quem votou, seja estadual ou federal", afirma.

As disputas proporcionais, no entanto, não são as que despertam maior desinteresse ou desperdício de votos dos eleitores. Curiosamente, este posto é ocupado pela corrida ao Senado, uma eleição de caráter majoritário. Seja nos pleitos em que está em jogo uma cadeira ou duas (como este ano), a concorrência pela Câmara Alta é a que gera o maior número de votos em branco e nulos. Foram cerca de 20% nos dois últimos pleitos, quase o dobro dos votos invalidados para os outros cargos. Em 2006, a eleição presidencial foi a que teve o menor desperdício de votos. Mas, em 2002, foi a de deputados.

Uma explicação plausível seria a alta competitividade das corridas para as Câmaras Baixas. Seus postulantes disputam palmo a palmo a colcha de retalhos de redutos, em alguns casos com candidatos do mesmo partido se acotovelando. Rennó afirma, no entanto, que a discrepância estaria menos no excesso de competição dos cargos proporcionais - pois as disputas ao Senado, defende, também são acirradas, envolvem todo o Estado e uma rede de financiadores maior. A razão estaria na duração dos mandatos, mais longos, de oito anos, que distanciariam os senadores do eleitor.

Seja como for, isso mostra que há algo a mais do que a influência das regras eleitorais de um modelo proporcional de lista aberta - o que abre margem a outros fatores. O acúmulo de cargos em jogo é um deles. No Reino Unido, por exemplo, pesquisas indicam que o cidadão britânico lembra mais em quem votou do que os eleitores dos Estados Unidos, que utilizam o mesmo sistema, o majoritário. A diferença estaria no fato de os americanos escolherem bem mais candidatos, por vezes, do presidente da República até o xerife da comunidade. Seria uma situação parecida com a do Brasil.

Por isso, o descasamento das eleições geralmente é cogitado como solução para realçar um cargo de menor destaque. Rennó considera um equívoco, pela consistência que as eleições casadas dão ao sistema político, de modo a vertebrá-lo e facilitar a governabilidade.

É a mesma posição do deputado estadual Rui Falcão (PT-SP), que se diz a favor de uma concentração ainda maior de disputas, por meio de eleições gerais que incluíssem os cargos municipais, de prefeito e vereador. Falcão lembra que esta proposta, de emenda constitucional, e que tem como autor o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), está em tramitação no Congresso. Faz parte do pacote de itens da reforma política defendida por seu partido, que prevê ainda a mudança para o sistema de lista fechada e o financiamento público de campanha.

"O descasamento das eleições não é a solução. A gente discute desprovinciando o debate. O direito de antena também é importante. É preciso que a lei estabeleça um espaço maior no rádio e na TV, além do tempo reservado hoje para a propaganda partidária e eleitoral. Para que a política vire uma atividade rotineira ao longo do ano", afirma.

Rui Falcão, no entanto, considera que há particularidades que estão na raiz da desvalorização do cargo de deputado estadual.

Em primeiro lugar, a perda de uma série de competências das Assembleias Legislativas, a partir da Constituição de 1988, e que atingiu áreas como transporte, habitação e segurança. Um exemplo é a fixação do limite para a maioridade penal. Enquanto nos Estados Unidos cada unidade da Federação tem sua legislação; no Brasil, o assunto é prerrogativa do Congresso Nacional.

Em segundo lugar, o deputado cita uma espécie de hiperpresidencialismo, que leva a imensa maioria das Assembleias Legislativas a padecer de um governismo crônico, em que não há espaço para a oposição. Nem mesmo para a situação.

Falcão é defensor de uma proposta de emenda constitucional que busca a recuperação dessas competências perdidas pelas Assembleias. Mas lamenta que, devido ao poder dos governadores, os deputados abrem mão até de prerrogativas existentes. É o caso da resistência à derrubada de vetos.

"Os deputados querem legislar, mas não têm autonomia. A maior parte dos projetos é vetada pelo governador. É uma base servil", diz.

Em terceiro lugar, e consequência dos anteriores, as Assembleias teriam ficado muito previsíveis - o que tira o interesse da imprensa.

O fato de ter suas funções reduzidas reforça a tendência do cargo em ser um degrau inicial da escada política no Brasil. Um dos reflexos pode estar no perfil ocupacional dos deputados estaduais comparado ao dos federais. Segundo levantamento feito pelo Valor, entre os eleitos nos dois últimos pleitos, há 75% menos metalúrgicos e 63% menos industriais nas Assembleias do que na Câmara. Por outro lado, nas casas estaduais, há mais servidores públicos municipais (220%) e estaduais (121%) - ofícios de caráter regionalizado. A força de corporações, como a dos policiais e professores, que poderiam levar à Assembleia reivindicações profissionais, como aumento de salário, não se verifica.