Título: Em Rondônia, eleitor busca futuro pós-usinas
Autor: Goulart , Josette
Fonte: Valor Econômico, 28/09/2010, Especial, p. A14
Como conferente de um supermercado em Porto Velho, Jadiel Lira de Souza não via perspectiva em melhorar seu salário se continuasse onde estava, mas mesmo com as megausinas oferecendo empregos com salários um pouco melhores, não lhe parecia uma boa opção, alarmado pelo que aconteceria ao fim das obras. Há menos de um mês, ele conseguiu uma vaga de metalúrgico em uma das fábricas que chegou à cidade na esteira das hidrelétricas do Rio Madeira e mesmo com menos de um mês de serviço já tem a ambição de chegar à máquina de corte, onde se ganha três vezes mais. Com um futuro nas mãos que considera promissor, Jadiel não tem dúvidas de que as hidrelétricas melhoraram a vida em Rondônia. Apesar disso, com certo quê de cientista político, ele afirma: "as usinas já não influenciam mais as eleições locais". Ele mesmo não sabe ainda em quem votar ao cargo de governador, engrossando os 15% de eleitores indecisos no Estado que podem encaminhar a eleição para qualquer rumo. O eleitor rondoniense que vai às urnas no próximo domingo, a exemplo de Jadiel, começa a se preocupar com o que vai acontecer com Rondônia no pós-usina. Os megaprojetos que começaram a ser construídos em 2008 despejaram muito dinheiro na cidade de Porto Velho e no Estado. De acordo com o economista da Federação do Comércio de Rondônia, Silvio Persivo, entre R$ 5 bilhões e R$ 7 bilhões chegam por ano no Estado, metade do Produto Interno Bruto registrado em 2007. Tanto dinheiro fez uma revolução, segundo Persivo.
A frota de veículos cresce a uma média de 19% ao ano, quase três vezes mais que a média nacional. O último dado de intenção de consumo mostra que mesmo com uma queda, a cidade de Porto Velho ainda vai consumir 5% mais do que no restante do país. O preço dos alugueis disparou e um apartamento no centro da cidade com 50 metros quadrados sai por R$ 2.600 por mês. Com o mesmo dinheiro é possível morar em apartamento com o dobro de tamanho e em zona nobre da capital de São Paulo. A especulação atinge a todos em Porto Velho. Não só para quem chega à cidade, como para quem já tem casa e precisa fazer uma pequena reforma ou quer manter uma faxineira. Fazer grande reforma, nem pensar, não tem mão-de-obra. E quando se encontra, os preços estão lá em cima.
Segundo o último dado do Ministério do Trabalho e Emprego, registrado em abril, em 12 meses Rondônia foi o Estado do país responsável pela maior geração de empregos, em termos relativos. Só as usinas empregam mais de 30 mil pessoas, mais da metade composta por moradores do Estado. A média de salário dos empregos formais de Rondônia é de R$ 1.448 e sobe para R$ 1.851, mais do que a média nacional, em Porto Velho. Além disso, a população ainda aproveita para fazer um dinheirinho extra com os chamados "bicos", o que tem levado mais dinheiro ao bolso do rondoniense e a um grande índice de absenteísmo no trabalho. Tanto na usina de Santo Antônio como de Jirau, esse índice é de 6%. Isso levou a Odebrecht a contratar mais gente do que o necessário para fazer frente a essa falta, segundo conta o diretor de contrato, Mário Lúcio Pinheiro. Na IMMA, uma joint venture entre Alstom e Bardella onde trabalha Jadiel, a situação é a mesma. O índice de ausência é o maior registrado em todas as unidades do país, segundo conta o gerente de recursos humanos, Gustavo Almeida.
Tanta mudança na capital também tem afetado o interior. Além de ter havido uma migração de pessoas em busca de trabalho, muitos produtores, construtores locais, frigoríficos e fornecedores de peças foram contratados pelas usinas. A Rical Arroz, por exemplo, que tem unidades em Ji-Parana, Ariquemes e Vilhena fornece por dia 1.300 quilos de arroz para a obra de Santo Antônio.
A expectativa é ainda que a usina leve a Rondônia outras obras de infraestrutura, como a reconstrução da BR 364 que vai até o Acre, um novo porto para o Estado, a ligação com Manaus e o gasoduto, além de diversas pontes em trechos que hoje são servidos por balsas. Até o fim do ano uma importante ligação a Rondônia estará concluída, que é a transoceânica que liga o Estado ao Pacífico. Será uma importante fronteira para Rondônia atrair indústria que pretende exportar para o restante da América Latina. Os candidatos ao governo do Estado costumam ter um discurso muito parecido e todos dizem que vão continuar incentivando a ida de fábricas para o Estado.
Com as usinas do Rio Madeira, além da IMMA, também foi erguida uma fábrica de cimentos da Votorantim e outra da Bardella, próxima à usina de Jirau, mas a elas basicamente se resume hoje o parque industrial pesado de Rondônia. A IMMA, por exemplo, está com toda sua capacidade de produção tomada com as comportas que fabrica para a usina de Santo Antônio. Almeida, gerente da IMMA, diz que a fábrica conta hoje com 520 funcionários e pode expandir com novos projetos que cheguem a Rondônia, como o gasoduto Coari-Porto Velho.
A população também hoje tem dificuldade em associar obras a determinados governos. Muitas obras de melhoria, que fazem parte das compensações financeiras pela instalação das usinas, ainda estão paralisadas por problemas de superfaturamento como as de saneamento em Porto Velho. Parte dessas obras é do município e parte do governo do Estado, toda com recurso do governo federal. O atual governo estadual está sendo questionado por supostas licitações superfaturadas e implicam diretamente o atual governador e candidato, João Aparecido Cahulla, do PPS.
Nada disso, no entanto, tem impedido o crescimento de Cahulla nas pesquisas e hoje ele lidera com pequena vantagem sobre seus concorrentes. Apoiado pelo ex-governador, Ivo Cassol, que tem força política na região, Cahulla tem 24% das intenções de voto, segundo a última pesquisa Ibope realizado no início do mês. Enquanto o candidato do PMDB Confúcio Moura e Expedito Filho, do PSDB, ficam empatados com 22%. O candidato do PT, Eduardo Valverde, tem apenas 7% das intenções de voto. Ele é candidato forte apenas em Porto Velho onde o PT tem força principalmente pela atuação do atual prefeito, Roberto Sobrinho, que soube capitalizar a seu favor os recursos que chegaram à cidade e de uma hora para outra fizeram o orçamento subir de R$ 40 milhões para R$ 1 bilhão. Mas em se tratando de eleições em Rondônia, a história conta que tudo pode acontecer. O Estado já viveu grandes viradas eleitorais. Jadiel, por exemplo, o novo metalúrgico que trabalhava em um supermercado, tem hoje dúvidas se vota em Valverde, ou em Cahulla ou em Confúcio. Ou seja, qualquer coisa pode acontecer.