Título: Ruralistas optam pela 1ª vez pelo PCdoB e devem inflacionar votação de Aldo
Autor: Zanatta , Mauro
Fonte: Valor Econômico, 29/09/2010, Política, p. A6
Uma inusitada comunhão com a tradicional base rural do interior de São Paulo deve garantir ao deputado Aldo Rebelo (PCdoB) uma das mais expressivas votações para a Câmara dos Deputados em todo o país.
Os esforços de ilustres sobrenomes do ruralismo paulista, aliados à ação eleitoral de cooperativas agrícolas, agroindústrias e trabalhadores do campo, tentam levar o parlamentar do PCdoB a superar os 200 mil votos nestas eleições - em 2006, Rebelo teve 169.621 votos.
A simpatia angariada pelo ex-ministro e ex-presidente da Câmara em espectros ideológicos tão distintos do seu, no setor rural do Estado, é fruto de sua atuação como relator da polêmica reforma do Código Florestal, cujo texto ainda será votado no plenário da Câmara. Eleito por cinco mandatos com o voto de segmentos urbanos, o deputado do PCdoB experimenta agora a novidade de atrair produtores rurais como um novo perfil de seu eleitorado. "Tenho com eles diferenças de concepções políticas, ideológicas e filosóficas. Mas para pensar em interesse nacional, tem que pensar na agricultura. Daí, a afinidade", resumiu Rebelo, após uma longa palestra sobre seu relatório do Código Florestal, na semana passada, na sede da Cooperativa dos Agricultores de Orlândia (Carol). Em discurso para uma centena de produtores, assumiu a defesa setorial: "A agricultura é um bem de interesse público. Todos desfrutam da estabilidade econômica gerada pela oferta de alimentos a preços baixos e da exportação de excedentes para a formação de reservas internacionais mais robustas".
A incorporação dos votos agrícolas, que marca uma espécie de transição nas campanhas de Rebelo, tem ocorrido por meio de reuniões, debates e palestras como essas pelo interior paulista. Mas a gênese dessa aproximação ocorreu em julho de 2009, quando o deputado tomou para si a tarefa de combinar agricultura e meio ambiente em uma nova lei. De lá para cá, a empatia virou compromisso dos ruralistas com sua reeleição. "Eu disse para ele que as cooperativas iam ajudar", afirma o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), um dos líderes ruralistas no Congresso. A julgar pelos discursos, parece que a promessa está mesmo de pé. "Vamos transformar essas reuniões aqui em muitos votos", disse a Rebelo o presidente da Carol, José Oswaldo Junqueira, cuja influência se espalha por 4 mil associados na região da Alta Mogiana paulista.
Em 2006, a maior parte dos eleitores de Aldo Rebelo saiu da capital ou de regiões industriais, como as cidades do ABCD, Osasco, Guarulhos, Mogi das Cruzes, São José dos Campos e Campinas. Em 2002, quando teve a preferência de 134.241 eleitores, o roteiro do interior tampouco figurava como um dos eixos da campanha desse filho de vaqueiro, nascido em Viçosa (AL). "O Aldo sempre teve apoio do voto de opinião em áreas urbanas", diz o analista político Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). "Mas as polêmicas com ambientalistas tiveram impacto nesse eleitorado. Agora, ao que parece, ele vai compensar esses votos no interior". Nesta campanha, Rebelo já esteve em duas dezenas de cidades de forte base agrícola e pecuária no Estado. Visitou produtores, associações e sindicatos. Mas afirma não ter abandonado a campanha em fábricas e indústrias. "Na verdade, a economia do campo alimenta as cidades. Por isso, a agricultura não é um problema do setor ou de corporações, mas do Brasil", afirmou Aldo Rebelo diante de 150 produtores reunidos em Leme.
Da centenária elite rural até assentados da reforma agrária do Pontal do Paranapanema, o deputado do PCdoB parece ter cristalizado uma "nova convergência" em defesa de "interesses nacionais" expressa em sua proposta de reforma das leis ambientais do país. Em suas incursões pelas cidades de base agrícola, Rebelo tem reunido grandes, médios e pequenos produtores para explicar seu relatório. Ataca ambientalistas e cientistas, critica o Ministério Público e acusa governos europeus e americanos de quererem engessar a produção brasileira. "Os Estados Unidos querem fazer do Brasil uma grande área de reserva legal para manter suas fazendas lá. É uma visão caricata, mas real", afirmou. No auditório improvisado, estavam dirigentes das usinas São João, Santa Lúcia e Baldin, além de representantes de multinacionais, como a francesa Louis Dreyfus e a espanhola Abengoa. "Aqui, todo mundo vai votar nele", disse o produtor Lauro Matella, antes de pedir um autógrafo do deputado em um exemplar do texto do nova lei distribuído por Rebelo como "santinho".
A disposição de Rebelo para enfrentar ONGs e parlamentares ambientalistas no Congresso lhe rendeu bem mais do que admiração no setor, abrindo caminho para unificar o discurso nacionalista a uma proposta de solução de problemas com a legislação ambiental. "Nunca pensei que isso fosse acontecer, mas vou votar num comunista", afirmou o produtor Antonio de Azevedo Sodré, em Leme. Sensação compartilhada até por uma ecologista. "Me parece que ele conseguiu um equilíbrio. Esse código atual é bom, mas o Brasil é muito grande e precisa de soluções diferentes", disse Marcia Cardoso da Silva, ao lado do marido e produtor rural Marcelo Costa Censoni. "A solução dele nos viabiliza, sim", afirmou.
O relatório de Rebelo prevê moratória de cinco anos para novos desmatamentos, mas legaliza propriedades em situação ambiental irregular, além de isentar da recomposição áreas de até quatro módulos - entre 20 e 400 hectares, segundo a região do país. "Ele perdoou tudo, multas, crimes, e fez tábula rasa da proteção florestal. Tudo errado", critica o diretor da ONG SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, que combate duramente o "relatório Rebelo" na Câmara.
Mesmo assim, integrantes de famílias tradicionais, como Sodré, Penteado, Almeida Prado e Junqueira, mostram entusiasmo com o desempenho parlamentar e os discursos do deputado do PCdoB. E têm percorrido o interior paulista para cabalar votos e reeleger o neoaliado. "Só temos que apoiar e agradecer ao Aldo. Vamos votar em massa nele", disse Paulo Junqueira, em Orlândia. Na véspera da eleição, produtores preparam carreata pró-Rebelo na região de Ribeirão Preto. "Um comunista não deveria ter votos aqui. Mas o deputado assumiu uma causa nacional. Temos agora é que multiplicar esses votos", disse o pioneiro Geraldo Diniz Junqueira, ex-secretário estadual de Agricultura.
Desses mesmos eventos, têm participado os trabalhadores rurais. Em Leme, Sandoval Alves Brito, que preside um sindicato com 10,5 mil cortadores de cana, prometia apoiar Rebelo. "Esse código tem que evitar mais desemprego. Nossa preocupação é a mecanização das lavouras por questões ambientais", disse, equilibrando um pacote de "santinhos" do deputado.
Além das promessas de votos, Rebelo também tem colhido doações no setor. Até o início de setembro, segundo o TSE, o deputado recebeu R$ 793,5 mil - em 2006, chegou a um total de R$ 1,45 milhão. "Tem gente que puxa o talão, sim. Ele tem sido muito útil e o setor reconhece isso", disse Evaristo Machado Netto, ex-presidente das cooperativas paulistas (Ocesp). A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) está em boa parte dos eventos. E a Sociedade Rural Brasileira promove amanhã um café da manhã para acolher Rebelo. "O pessoal entrou mesmo na campanha dele", disse a diretora da Abag, Mônika Bergamaschi.
Mesmo apoiado em seu novo eleitorado, Rebelo busca manter suas principais bases, composta por operários, rodoviários e a classe média urbana. "Não existe poupança nem ponto futuro em eleição. Tem que trabalhar e deixar apurar", afirmou o deputado após mais uma palestra e muitos aplausos de produtores em Orlândia.