Título: Zona do euro mostra novamente fragilidade
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Fonte: Valor Econômico, 29/09/2010, Opinião, p. A12

Novas ondas de instabilidade na zona do euro indicam que a saúde da economia mundial ainda inspira grandes cuidados. Quando se acreditava que o quase default da Grécia havia sido superado e que o perigoso contágio foi evitado, voltam os rumores a respeito das dificuldades da Irlanda, de Portugal e até da Bélgica.

A verdade é que vários países da região ainda lutam para se aprumar após o vendaval que varreu o planeta em consequência da crise do crédito imobiliário de baixa qualidade, desencadeada em 2007.

A Irlanda, por exemplo, tinha suas próprias bolhas. Os créditos concedidos pelos três maiores bancos irlandeses eram três vezes maiores do que o Produto Interno Bruto (PIB) do país no fim de 2008. Quando a crise eclodiu, o valor dos imóveis virou pó, os bancos ficaram insolventes, as receitas despencaram e a Irlanda passou a exibir um dos maiores déficits orçamentários da região. Bastou agora que as agências de rating rebaixassem a classificação do país e um banco internacional fizesse um relatório pouco otimista para que a solidez do país voltasse a ser posta em dúvida.

Imediatamente os custos de captação subiram. Os bônus de 10 anos passaram de 6,17% para 6,34% ao ano já na semana seguinte. Mesmo pagando cerca de 4 pontos percentuais acima dos bônus alemães, está sendo difícil fechar as captações.

A crise de confiança atingiu também Portugal, cujas contas fiscais também estão frágeis. Os juros dos bônus de 10 anos do país estão em um patamar semelhante ao dos papéis irlandeses, pagando 6,24% ao ano, a maior taxa desde 1999.

A preocupação do mercado em relação aos países da zona do euro havia amainado depois que os problemas da Grécia foram aparentemente equacionados e nasceu, em maio, o European Financial Stability Facility (EFSF), fundo criado pelos 16 países que usam o euro como moeda para salvar membros em dificuldades. O fundo, de 440 bilhões, o equivalente a US$ 590 bilhões, conseguiu classificação máxima das agências de rating, mas mostrou-se uma fonte de dinheiro muito caro. O fundo exige garantias elevadas. Por isso, o custo do dinheiro que oferece é muito salgado. Especialistas calculam que o custo efetivo dos recursos emprestados pelo EFSF, incluindo taxas e garantias, chega a 8% a 10% ao ano, mais, portanto, do que o mercado está disposto a cobrar atualmente da Irlanda e Portugal. Assim, só valerá à pena recorrer ao fundo em situações mais adversas.

De certa forma, a Grécia foi mais afortunada por ter recorrido à ajuda externa antes da existência do EFSF porque conseguiu recursos da Europa e do Fundo Monetário Internacional (FMI), pagando apenas 5% ao ano.

Mas o potencial de estrago da Irlanda parece ser maior do que o da Grécia em caso de default. O país, que já foi chamado de tigre celta, na comparação com os tigres asiáticos, cresceu rapidamente graças aos créditos concedidos pelos bancos europeus. Assim, os problemas da Irlanda são também dos outros países. Por isso, ela tem recebido muita ajuda do Banco Central Europeu (BCE), que vem comprando seus títulos e agora é seu maior credor. A Irlanda é considerada hoje pelo mercado como país mais arriscado do que o Líbano e Dubai.

A saída definitiva para a zona do euro passa, certamente, pelo ajuste das contas públicas, assunto que os países da região estão discutindo nesta semana. A Irlanda tem um déficit público de 14,3% do PIB, duas vezes a média de 6,3% da zona do euro, e uma dívida pública que deve chegar a 100% do PIB em 2012. Portugal não está melhor: o país prometia reduzir o déficit de 9,4% do PIB em 2009 para 7,3% neste ano e 4,8% em 2011. A Bélgica exibe uma dívida de 96,7% do PIB.

Mas isso parece difícil porque a arrecadação não reage uma vez que a economia está combalida. A previsão é que o PIB português vai subir 1% neste ano, mas cairá 0,5% em 2011. A Irlanda enfrenta problemas semelhantes: depois de subir 2,2% no primeiro trimestre, o PIB caiu 1,2% no segundo.

Por isso, a União Europeia quer apertar as penalidades para os países entre os 27 membros que não mantiverem o déficit público no limite de 3% do PIB. A posição mais severa, como é de se esperar, é a da Alemanha, que pretende estabelecer multas severas para os países que não reduzirem suas dívidas. O plano deve ser revelado hoje. O problema é como cumprir as promessas em um ambiente econômico ainda tão adverso. A pior aposta é criar regras que não podem ser cumpridas.