Título: Bons acordos salariais surgem fora do ABC
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2010, Brasil, p. A4

Onze anos antes de ser fundado o mais famoso Sindicato dos Metalúrgicos do país, em São Bernardo do Campo, os trabalhadores das fábricas de autopeças de Campinas, também em São Paulo, fundaram seu sindicato. Foi, na realidade, a formalização da Associação dos Metalúrgicos de Campinas e Região, criada um ano antes, em 1947, por metalúrgicos da extinta Mac Hardy, primeira sociedade anônima de Campinas, de 1891. Enquanto os colegas do ABC protagonizaram as grandes histórias do sindicalismo brasileiro nos anos 1970 e 1980, tendo em seus quadros o atual presidente da República, o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas tem chamado a atenção recentemente - nos últimos anos, foram eles que negociaram, primeiro, os maiores reajustes salariais. Eles conquistaram 14,6% em 2008, 10% em 2009 e 10,5% este ano, além de 20,5% para os que trabalham na remanufatura da Mercedes-Benz. Em 2008 e 2009, os cerca de 51 mil metalúrgicos de Campinas receberam reajustes salariais mais vantajosos que os 102 mil do ABC, os 131 mil de Curitiba (PR) e os 66 mil de São Paulo. Respectivamente, o ABC conquistou 11,1% e 8,3%, enquanto em Curitiba as conquistas foram de 10,1% e 7,57%, e em São Paulo, de 10,48% e 6,53%. Em 2010, no ABC, as montadoras concordaram com um reajuste de 10,8%, levemente superior ao de Campinas, mas para outros segmentos (máquinas e autopeças, entre eles), o reajuste foi de 9%, abaixo do de Campinas.

Os 51 mil metalúrgicos da base de Campinas estão divididos em mais de 3 mil empresas, das quais três montadoras - Toyota, Mercedes-Benz e Honda. Nelas, estão 12,3% da categoria. Os 87,7% restantes estão distribuídos em grandes empresas da cadeia metalúrgica, como Bosch e KS Pistões, do setor de autopeças, Gevisa e Villares Metal, do setor de máquinas, Dell e Samsung, do segmento eletroeletrônico.

"Falamos de uma categoria que é mais técnica que em outras regiões. Isso denota mais especialização e, consequentemente, maiores salários", diz Claudio Dedecca, professor especialista em sindicalismo da Unicamp com pós-doutorado na Universidade de Paris XIII. "A participação de metalúrgicos aqui na universidade tem aumentado, inclusive", diz ele.

Os trabalhadores têm, em média, 25 anos, e possuem ensino médio completo. É uma categoria mais jovem que a do ABC, onde 37% dos operários têm mais de 40 anos e 32% entre 30 e 39 anos. Ambas convivem com universidades há décadas - entre outras, a Metodista, fundada em 1938 em São Bernardo, e a Unicamp, criada em 1966 em Campinas. Nesta última há também uma unidade da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas), instalada na cidade desde 1941. As universidades são importantes para o aprimoramento de gerentes e administradores, o que, na visão de sindicalistas, facilita a compreensão das negociações trabalhistas.

Os salários entre as duas regiões são distintos. Levantamento da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no ABC, que conta apenas o salário médio dos metalúrgicos nas montadoras, aponta que a remuneração média dos trabalhadores nas quatro montadoras de São Bernardo é de R$ 3,53 mil, enquanto na Honda, de Sumaré, na base do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, é de R$ 2,41 mil.

Para organizar uma categoria mais enxuta e mais jovem que as demais e conquistar acordos mais vantajosos, o sindicato usa várias estratégias. No lugar das grandes comissões de fábrica do ABC, em Campinas são só seis comissários sindicais: três na Toyota, dois na Honda e um na Mercedes. "A cada mil funcionários, elegemos um comissário. É ele o canal do sindicato nas montadoras, especialmente porque ele é eleito em assembleia na porta da empresa", diz Jair dos Santos, presidente do sindicato.

A estratégia de realizar frequentes assembleias nas montadoras, diz Santos, é o que aproxima a ação do sindicato das demandas dos trabalhadores. "É uma classe muito jovem, que não viveu as lutas do sindicalismo dos anos 70 e 80, e também não pegou o movimento "Fora Collor", de 1992. Então tratamos, nas assembleias, de falar do passado, de lembrar conquistas antigas, mostrar que é possível reivindicar e ganhar", afirma Santos.

O Valor acompanhou uma das assembleias dos trabalhadores da Mercedes-Benz, realizada na porta da companhia, na semana passada, quando eles ainda estavam em greve. A conversa com metalúrgicos de diferentes idades em Campinas denota uma categoria politizada, sem, no entanto, ter filiação partidária. "Nossa greve vai até a empresa ceder as cláusulas sociais e o reajuste salarial. Estamos juntos ao sindicato, que ouviu nossas reivindicações", diz Ciro Moura, sentado em frente à faixa "Greve".

Outro diferencial na categoria é a combinação de "antigos" e "novos" metalúrgicos. "Conversamos, eu e os amigos que estão aqui há mais tempo, com os mais jovens e os terceirizados. Explicamos para eles a importância de entender o que estão fazendo, que não há problema em negociar e demandar melhores salários e condições da empresa e que entrar em greve é um direito", diz José Manuel da Silva, que há 19 anos separa peças produzidas e importadas na fábrica da Mercedes em Campinas.

Pertencente à Central Única dos Trabalhadores (CUT) entre 1984 e 2007, o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas caminha para seu quarto ano consecutivo sem estar ligado a uma central ou a um partido. Com vinculação aos movimentos operários da igreja na década de 80, o sindicato faz parte hoje de uma corrente do movimento Intersindical que não é ligada à partidos, diferente da CUT, ligada ao PT, e da corrente majoritária da Intersindical, ligada ao P-SOL. A base do sindicato é atraente às centrais, que buscam maior representatividade - e consequentemente, uma fatia maior do imposto sindical repartido pelo governo federal.

"Recebemos convites para encontros, e-mails e somos sempre requisitados por diferentes centrais, mas não arredamos pé", diz o presidente do sindicato, em conversa com o Valor pouco depois da assembleia na Mercedes.

Para Dedecca, da Unicamp, o "modus operandi" do sindicato está fincado na disciplina herdada da Pastoral Operária, da Igreja Católica, e na continuidade. "A oposição de esquerda que venceu as eleições de 1983 e se recicla no poder desde 1984 foi toda formada na Pastoral Operária, onde foram ensinados a participar ativamente da vida coletiva, a serem transparentes e debater sempre com os companheiros todo tipo de angústia", diz Dedecca.

Líder do sindicato, Santos fez parte da Pastoral Operária ao longo dos anos 80. "Ali todos aprendemos a ter atuação política prática, que não ficasse apenas nas ideias, mas também na transmissão dessas aos companheiros", diz ele, da sala de reuniões no prédio de quatro andares que serve de sede do sindicato. Na sala, quatro imagens estão penduradas: de Karl Marx, Antônio Gramsci, Salvador Allende e do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

"Companheiros, vocês lembram como foi quando a Mercedes apostou em Juiz de Fora. A planta em Campinas nunca deixou de ser importante, e agora é mais importante que nunca. Então, sempre que temos problemas, de qualquer tipo, devemos comunicar o sindicato", dizia ao microfone Genilvado dos Santos, comissário sindical na fábrica durante a assembleia. "O Genivaldo é o cara mais idôneo que eu conheço. Ele é incorruptível e transmite uma força para a categoria impressionante, porque ao mesmo tempo que trabalha ao nosso lado, ouve os problemas de cada um e leva ao sindicato", diz Janílson Silva, que voltava à fábrica, encerrada a assembleia, para "convencer os companheiros a não desistirem das reivindicações".

"A categoria é educada para não aceitar acordos desvantajosos, para não aceitar algo que não tenha sido discutido com o sindicato e para conversar conosco sempre que tiver problemas" diz Santos, que defende um trabalho "permanente" de conversas e assembleias para "educar" uma classe jovem. "Como a idade média é baixa, temos um jovem que está mais inserido no Brasil pós-1990 que aquele da ditadura. Então falamos de jovens adultos que querem comprar um bom tênis e uma roupa bonita", afirma Santos.

O sindicato produz um jornal quinzenal entregue, pessoalmente, na entradas das fábricas, além de um site. O índice de sindicalização é alto para padrões brasileiros - são 29,9 mil filiados, ou 58,8% do total - proporção apenas inferior aos 70% no ABC.