Título: A aprendiz que mimetiza o presidente
Autor: Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2010, Política, p. A8

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva construiu, sozinho, a candidata à sua sucessão e ela executou a campanha à imagem e semelhança de seu tutor. Dilma Rousseff, candidata do PT à Presidência da República, andou nos palanques de um lado para o outro como Lula, sorriu e apertou mãos de eleitores como Lula, distribuiu beijos e afagos como Lula. Se não tem o carisma do presidente, procurou ao máximo identificar sua imagem à dele. Dilma liderou a campanha mais organizada de que já se teve notícia. Inspirada na estrutura da Presidência, funcionou com hierarquia militar, o que evitou que quase 100 pessoas - sem contar as 180 que trabalham com João Santana, o marqueteiro - batessem cabeça na execução das tarefas.

O comando político pertenceu ao triunvirato integrado pelos deputados Antonio Palocci e José Eduardo Cardozo e o presidente do PT, José Eduardo Dutra. Palocci foi o "cérebro" da campanha; Cardozo, o assessor jurídico; Dutra, o porta-voz informal. Os três alternaram-se nas viagens. Só foram vistos juntos nos debates e em reuniões para tratar de estratégias ou apagar incêndios.

Dilma fez toda a campanha a bordo de um Cessna Citation Sovereign, um luxuoso jatinho de nove lugares, com autonomia de voo de 5,2 mil quilômetros e capacidade de pouso em pistas curtas. Nele, viajou sempre seu staff pessoal, além de um dos comandantes políticos e da coordenadora de imprensa, Helena Chagas - quando ela esteve ausente, ia o jornalista Laércio Portela.

Integram o staff pessoal, entre outros, Rose Paz, cabeleireira especializada em "design de sobrancelha". Rose cuidou da maquiagem e do cabelo da candidata, além de seu guarda-roupa. Muitas vezes, durante a campanha, acordou às 5h da manhã para passar a roupa que Dilma usaria naquele dia. O gaúcho Juarez Mota é o responsável pela segurança pessoal. Três agentes da Polícia Federal fazem a segurança oficial.

André Segatin e Anderson Dornelles atuaram como secretários particulares. Jorge Lima e Hildivan Ribeiro, como assistentes. Os quatro, que se alternavam nas viagens, resolvem qualquer problema para a candidata. Durante os eventos, não tiravam Dilma do campo de visão. A qualquer movimento dela, já estavam lá, prontos para servi-la. Roberto Stuckert é o fotógrafo oficial - seu irmão, Ricardo, trabalha com Lula há oito anos. Na maioria dos casos, os integrantes do staff pessoal vieram da Casa Civil.

Assim como ocorre na Presidência da República, a campanha de Dilma teve "precursores políticos". Nas viagens, eles iam um dia antes para levantar informações, como a distância entre o aeroporto e o local do evento e a duração dos deslocamentos. Além disso, procuravam saber previamente os nomes das pessoas com quem Dilma ia se encontrar. Tomavam, ainda, providências para evitar qualquer tipo de constrangimento à candidata.

A campanha contou com uma equipe ágil de assessores e jornalistas que alimentaram, durante quase 24 horas por dia, o site e os blogs da candidata, além do seu Twitter. Dilma não gosta de entrevistas do tipo quebra-queixo. Por isso, a campanha providenciou a compra de dois púlpitos de acrílico, com espaço para a colocação de até 12 microfones de TV. Os artefatos se tornaram tão característicos da campanha que foram batizados de Alfredo e Alberto.

A arquiteta Clara Ant foi a responsável pelo conteúdo dos temas tratados por Dilma na campanha. Consolida informações, checa dados, dá coerência e precisão aos discursos e falas. Participou de todos os debates. Desempenhou na campanha o papel que teve no Palácio do Planalto durante os oito anos de Lula.

Marco Aurélio Garcia foi o coordenador do programa de governo que nunca ficou pronto. Apareceu muito pouco. Xodó de Lula, Alessandro Teixeira, coordenador-executivo do programa, esteve mais presente. Sua tarefa era acrescentar ao programa o que Dilma dizia em público. A jornalista Olga Curado atuou como uma espécie de "media trainer", ensinando à candidata como se portar em entrevistas e debates.

Dilma é exigente e isso se refletiu na campanha. "Ela sabe o que cada um faz. Para trabalhar com ela, a pessoa tem que ser organizada. Ela detesta bagunça", contou um integrante da equipe. Seu temperamento é difícil, do tipo "pavio curto". Quando precisou ser dura, não se acanhou. Certa vez, tinha reunião marcada com integrantes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente na mansão da QL 24, do Lago Sul, bairro nobre de Brasília, onde fica o quartel-general da campanha. Ela já usava bota ortopédica por causa de acidente sofrido alguns dias antes e, por isso, tinha dificuldades de locomoção. Seus assessores esqueceram de providenciar uma sala no térreo do comitê, obrigando-a a subir um lance de escada.

Dilma não deixou por menos. Em tom ríspido, queixou-se: "Por que vocês não organizaram isso aí?". À bronca seguiu-se um silêncio sepulcral.

Ao contrário de Lula, Dilma é formal. Mantém certa distância de assessores e funcionários. O que tem a relação mais franca com ela é o marqueteiro João Santana, único que se dá o direito de fazer brincadeiras que, aparentemente, avançam a barreira do respeito. Pelo menos duas pessoas ouvidas pelo Valor testemunharam Santana lhe dizendo, no avião: "Dilma, agora está todo mundo querendo te c...". O propósito do assessor era dizer que ela estava bonita e atraente. Dilma gostou do chiste.

Curiosamente, o jeito durão da candidata não impediu que alguns assessores desenvolvessem por ela uma relação fraternal. É o caso, por exemplo, de duas secretárias que trabalharam com ela na Casa Civil - Marly Branco e Cleo Dornelles. Marly cuidou dela, inclusive, na doença - em 2009, a candidata teve linfoma.

Os funcionários da campanha se dividem, em todos os escalões, entre militantes do PT e profissionais contratados. Os primeiros são arredios, desconfiados, suscetíveis e fechados. Veem o trabalho como uma missão quase divina. O segundo grupo a encara como mais um trabalho. Todos são remunerados.

Dilma concentrou seus atos de campanha, nas últimas duas semanas, no Sudeste e no Sul, as regiões onde o PT sempre enfrentou dificuldades. Na Associação Comercial do Rio, a mais antiga representante da sociedade civil brasileira (foi fundada em 1809), encontrou um ninho tradicional de tucanos. Apesar disso, foi muito bem recebida.

O presidente executivo do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, foi de São Paulo ao Rio apenas para assisti-la. O governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes também estavam lá. A visita se deu num dia difícil para Dilma - foi naquela quinta-feira, dia 16, que seu braço direito e sucessora na Casa Civil, Erenice Guerra, pediu demissão por causa das denúncias de tráfico de influência. O clima esquentava também por causa das críticas de Lula à imprensa.

A associação entregou à candidata um documento com propostas para o país, mas seu presidente, José Luiz Alquéres, centrou o discurso no "valor da liberdade". "Esta casa, candidata, tem um compromisso na base com a liberdade", disse ele, lembrando que muitos foram presos no passado por "delito de opinião". "Não queremos isso nunca mais."

Da associação, a candidata foi à estação de trem Leopoldina gravar cenas do programa eleitoral. A estação foi desativa em 2004 pela SuperVia, empresa que explora trens urbanos no Rio. Hoje, funciona como palco de grandes festas.

Por ordem de João Santana, nem jornalistas da campanha são autorizados a acompanhar as gravações. Só o faz um seleto grupo de integrantes da campanha. Naquele dia, apesar do caso Erenice, Dilma aparentava tranquilidade. Terminou a gravação, distribuiu autógrafos, tirou fotos e cumprimentou funcionários. Ao Valor, relatou como foi o acidente, ocorrido três dias antes, em que torceu o pé direito.

Por razões de saúde, a candidata tem o hábito de caminhar uma hora por dia em Brasília. "Do contrário, vou ter que tomar remédios para pressão e outras coisas", contou. Quando está fora de casa, em hotéis, recorre a esteiras. "Na esteira, reduzo a caminhada para 40 minutos."

Hospedada no dia do acidente no luxuoso hotel Mofarrej, nos Jardins, em São Paulo, Dilma acordou cedo para fazer o exercício matinal. Ao seu lado, duas mulheres conversavam animadamente enquanto também se exercitavam. Ao concluir os 40 minutos, a candidata, prestando atenção à conversa das vizinhas, se distraiu - desligou o aparelho e desceu de lado, em vez de sair por trás. Ao se virar, pisou em falso, torceu o pé direito e machucou o cotovelo.

Inicialmente, os médicos lhe receitaram uma semana de uso de bota ortopédica, mas, depois, constataram que ela pode ter rompido ligamentos. A esperança de Dilma era se livrar da bota antes do último e mais importante debate na televisão - o da TV Globo, agendado para hoje. "Não vou mais tirar a bota porque, se fizer isso, volta tudo", resignou-se, depois de comício em Curitiba.

O comício na Praça do Semeador, no Bairro Novo da capital paranaense, numa noite fria do dia 22, foi programado para animar a militância do PT e dos partidos que apoiam Dilma. No palanque, ex-adversários históricos, como Roberto Requião (candidato ao Senado pelo PMDB) e Osmar Dias (candidato ao governo do Paraná pelo PDT), se confraternizaram em torno de Dilma e Lula.

Os comícios com a presença de Lula funcionaram assim: primeiro, falavam os candidatos ao Senado e ao governo local; depois, era a vez de Dilma e, por fim, fechando os eventos em clima apoteótico, Lula entrava em cena. A maioria ia aos comícios para ver o presidente.

No palanque de Curitiba, Dilma mostrou uma face desconhecida. A tecnocrata, ministra com ar sisudo e fama de durona, distribuiu sorrisos e beijinhos para a plateia, autografou camisas e bandeiras e, mesmo com a perna prejudicada, arriscou passos de dança, puxada pela candidata do PT ao Senado, Gleisi Hoffmann. Ao discursar, andou de um lado para o outro do palanque, imitando seu tutor. Foi aplaudida, como todos os que discursaram naquela noite, mas nada parecido com a ovação dirigida a Lula.

Enquanto Dilma discursava, um assessor do presidente lhe trouxe os números do Datafolha, que saíram do forno naquele instante. A notícia não era boa. A vantagem de Dilma sobre os adversários diminuíra de 12 para sete pontos percentuais, aumentando as chances de 2º turno.

Lula fez, em seguida, um discurso agressivo contra a oposição. Criticou as privatizações, apelou para o nacionalismo e recorreu à retórica pobre-contra-ricos para exaltar sua candidata. "O que está em jogo neste momento é a soberania nacional. Não devemos mais ao FMI." No fim, cometeu um ato falho ao mostrar que vê a eleição de Dilma como a continuação do seu mandato. "Sou o primeiro presidente que vai sair do governo com mais votos do que tinha quando entrou."

Em Porto Alegre, a candidata hospedou-se no apartamento 1404 do luxuoso hotel Deville (diária de R$ 914), perto da suíte presidencial onde Lula se instalou naquela sexta-feira, dia 24. Lá, os dois se reuniram para discutir os rumos da campanha. Em Curitiba, dois dias antes, Lula e Dilma fizeram discursos agressivos contra a oposição. Integrantes da campanha estavam preocupados com a escalada contra a imprensa.

No hotel Deville, Lula e Dilma decidiram fazer uma inflexão. Antes de seguir para o comício, Dilma deu uma entrevista coletiva no Deville. "Tenho uma palavra que sintetiza o clima daqui para a frente: tolerância", disse ela. No Largo Glênio Peres, no centro de Porto Alegre, foi a vez de Lula mudar o mote. "A gente fica com raiva quando falam mal da gente, mas fica feliz quando falam bem. A democracia é assim, e a imprensa exerce papel muito importante para o Brasil", discursou o presidente.

Na porta do hotel, em Porto Alegre, antes de se dirigir para o comício, Lula avistou a repórter Adriana Araújo, da TV Record, e imediatamente puxou-a pelo braço e a apresentou à Dilma. "Você tem que atender essa menina. Ela é muito bom caráter", disse o presidente, em cena testemunhada pelo Valor. "Eu sei. Ela é da Record", respondeu Dilma. "Você tem que atendê-la", insistiu Lula. Adriana, que fez entrevista exclusiva com o presidente em julho, pediu à candidata uma conversa. "Hoje é impossível", cortou Dilma.

Descendente direto de um búlgaro (Pétar Russév, que no Brasil mudou o nome para Pedro Rousseff), Dilma foi acompanhada nos últimos dias da campanha por jornalistas da Bulgária. Um deles, Momchil Indjov, trouxe-lhe, supostamente, carta de uma prima da candidata - Tzanka Kamenova, de 68 anos. Além da carta, Kamenova teria enviado um livro, em inglês, intitulado "A conhecida e desconhecida Bulgária", e uma edição do jornal "24 Horas", que estampou Dilma na primeira página e fez reportagem mostrando sua ascendência búlgara.

Outro jornalista estrangeiro - Michel Peyrard, da revista "Paris-Match" - veio ao Brasil apenas para acompanhar a reta final da campanha. A publicação francesa reservou 10 páginas para falar de Lula e sua candidata, mas na última hora reduziu o espaço para quatro páginas. Uma entrevista exclusiva com Ingrid Bettancourt, ex-senadora colombiana mantida em cativeiro durante seis anos pelas Farc, roubou seis páginas do espaço original.

O que mais impressionou Peyrard foi o mimetismo da petista. "Dilma está sorrindo como Lula, a maneira como ela olha para você é similar, ela está apertando mãos com a mesma intensidade, movendo-se nos palanques da mesma maneira. Aparentemente, ela aprendeu a se comportar na campanha a partir de um único modelo, o "rockstar" Lula. Para minha surpresa, isso funciona", disse Peyrard ao Valor. Em entrevista ao jornalista, Dilma reconheceu que será um desafio substituir "o presidente mais popular do mundo".

Candidato a vice de Dilma, a contragosto de Lula, o presidente da Câmara, deputado Michel Temer (PMDB-SP), foi mantido à distância dos principais eventos da campanha. Nos outdoors, Dilma aparece ao lado de Lula, mas sem a presença de Temer. Nos cartazes, em letras garrafais lê-se "Dilma 13 presidente". Embaixo, em letras que de tão pequenas lembram cláusulas de contratos de seguro, informa-se: "Vice: Michel Temer".

Dos 25 comícios feitos por Dilma em três meses de campanha oficial, Temer participou apenas dos que ocorreram em São Paulo - Lula esteve em 24. No último, realizado no sambódromo da capital paulista, chegou atrasado, quando Lula já discursava. Ao apresentá-lo no discurso, o presidente se confundiu e chamou-o de "vice da Marta [Suplicy, candidata ao Senado pelo PT]". Foi corrigido pela própria Dilma.

Ao deixar o Largo Glênio Peres, em Porto Alegre, a candidata petista disse ao Valor que a sua maior aprendizagem na campanha foi o contato "intenso" que teve a população. "O presidente sempre me falava disso, mas eu ainda não tinha tido uma experiência como essa. Quando estou no meio das pessoas, nem vejo o tempo passar."