Título: Oposição ressuscita e vence as eleições na Venezuela
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/09/2010, Opinião, p. A18
A oposição ganhou as eleições legislativas na Venezuela com 48% dos votos, ante os 46,4% dos chavistas do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Mas seu poder de fogo já havia sido circunscrito pelo presidente Hugo Chávez, que remodelou os distritos de forma a favorecer seus redutos e dar peso maior aos votos das zonas rurais. Com a maioria relativa dos votos, a Mesa de Unidade Democrática, que reúne 18 grupos em um arco que vai da extrema direita à esquerda, ficou com 65 cadeiras, pouco mais de um terço das 165 em disputa. O Pátria para Todos, partido de esquerda dissidente do chavismo, obteve duas cadeiras e 2,91% dos votos. O PSUV conquistou 98 cadeiras.
As condições em que a oposição concorreu eram relativamente piores do que as de 2005, quando incrivelmente resolveu boicotar o pleito e entregar a toda a Assembleia para os adeptos de Chávez. Ainda assim, ela conseguiu alguns avanços ao se unir para enfrentar um presidente todo-poderoso, uma máquina estatal colocada a serviço do PSUV e uma legislação eleitoral que a desfavorecia claramente. O erro clamoroso do boicote de 2005, exemplo da mais pura estupidez política, custou muito caro. Após as eleições de domingo, as legendas que se opõem a Chávez ainda não terão recuperado a posição que detinham no Legislativo entre 2000 e 2005, quando contavam de 72 a 83 deputados.
A grande incógnita agora será a atitude de Chávez até a posse da nova Assembleia. O presidente já se engajou há tempos em uma trajetória de radicalização que parece irreversível. Nos próximos três meses em que não terá qualquer contestação de qualquer poder da República - todos hoje lhes são subservientes e comandados por acólitos - é possível que ele simplesmente ignore o resultado das urnas e acelere sua agenda rumo ao socialismo do século XXI. Sua popularidade, em onze anos de poder, gira hoje em torno dos 46% e ele a transferiu toda para o PSUV, do qual foi o onipresente cabo eleitoral.
A crise econômica e a desorganização bolivariana da produção doméstica, com a anárquica estatização de bancos, empresas de telecomunicação, siderúrgicas e cimenteiras, desgastaram o presidente junto a sua base eleitoral, como prova sua derrota na favela de Petare em Caracas, a maior do país. A recessão derrubou o Produto Interno Bruto venezuelano em 3,3% em 2009, e em 5,8% no primeiro trimestre. No segundo, o estrago foi menor: -1,9%. Ainda assim, esse não foi o único mal.
A combinação de uma seca inusual com a falta de investimento em infraestrutura levou os venezuelanos a conviverem com cortes diários de energia elétrica desde janeiro. A inflação em doze meses encerrados em agosto está em 29,7% (semelhante à de 1998, quando Chávez foi vitorioso nas urnas) e o abastecimento de gêneros de primeira necessidade é, no mínimo, inseguro. A criminalidade avançou e tornou-se um dos principais fatores de intranquilidade. O presidente promoveu uma maxidesvalorização do bolívar disfarçada que tornou o dólar escasso em um país com superávit em conta corrente. Falta a moeda e sobram mercados: há quatro cotações, incluída a do mercado negro.
Com tudo isso, Chávez está longe do desgaste. Os investimentos sociais triplicaram desde que tomou posse, a pobreza caiu 39% no período e a pobreza extrema recuou pela metade. O grande problema é que o modelo chavista de distribuição descuidou da produção, e não tem futuro. As estatizações reduziram a produtividade da economia, o dinheiro para os investimentos na principal fonte de receitas, o petróleo, foi aplicado parte em projetos sociais e parte em outros de baixo ou nulo retorno, enquanto as empresas estatizadas foram tomadas por companheiros com indicação política. Qualquer semelhança com Cuba não é coincidência, mas um programa conscientemente perseguido. Politicamente, a Venezuela é uma democracia a um passo do abismo, desfigurada pelas arbitrariedades de Chávez.
Para ser razoavelmente eficaz em seu trabalho, a oposição terá de se manter unida e encontrar um programa que esteja distante do golpismo histérico de 2002, do elitismo derrotado por Chávez há dez anos e do sectarismo, que põem no saco dos erros todas as medidas tomadas pelo presidente. Não é uma tarefa fácil. A maior ajuda com que talvez contem, porém, virá do próprio Chávez. Seu radicalismo ressuscitou a oposição e pode dar-lhe a força que ela até agora não tem.