Título: Projetos públicos de banda larga criam polêmica em vários países
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 21/09/2010, Empresas, p. B1
Governos de todo o mundo vêm lançando, nos últimos dois anos, iniciativas para aumentar o acesso à internet em alta velocidade em seus países. Cada qual com sua fórmula, o objetivo é inserir a população ainda não atendida com banda larga, ou mesmo melhorar o acesso, ainda precário mesmo em países desenvolvidos. Independentemente da intenção dos governantes, esses projetos não têm consenso. Enquanto alguns os consideram como estimuladores do mercado, outros os veem como intervenção do Estado na atividade privada.
Brasil, Estados Unidos, Austrália e Finlândia são alguns de uma lista de pelo menos 13 nações com planos nacionais de banda larga já delineados. "Todos os países estão trabalhando em planos de alguma forma", confirma Raul Katz, professor da Columbia Business School.
O governo Barack Obama destinou à ampliação e melhoria da infraestrutura de banda larga na zona rural e comunidades pobres dos EUA, US$ 7,2 bilhões do pacote de US$ 860 bilhões para estimular a economia. O objetivo é conectar cerca de 14 milhões de pessoas sem acesso à internet rápida. Na Espanha, a proposta é transformar a banda larga em um serviço básico como a telefonia fixa.
A vizinha Argentina avalia a possibilidade de liberar até 1,4 bilhão de pesos (cerca de R$ 700 milhões) para financiar um projeto de levar rede de banda larga a regiões que não oferecem rentabilidade para as operadoras locais.
Até mesmo a Comissão Europeia entrou no jogo. Na semana passada, o bloco anunciou um plano para estimular investimentos nos 27 países-membros. Pela estratégia, os europeus deverão ter acesso à internet em banda larga até 2013 e conexão com velocidade acima de 30 megabits por segundo (Mbps) em 2020, comparado a 2 Mbps hoje. Em dez anos, o objetivo é de que 50% ou mais de residências europeias tenham acesso à internet por fibra óptica com conexões acima de 100 Mbps.
Acesso veloz à internet é visto como meio de reduzir a distância educacional entre nações emergentes e ricas
Não está em jogo o simples desejo dos governos de interferir mais na economia, e sim a busca por formas de acelerar o crescimento e o desenvolvimento das nações. A universalização dos serviços de internet em banda larga tem sido vista como um impulso para as economias em um momento de crise e incertezas no cenário econômico global.
Nos países emergentes há ainda outro estímulo: o acesso à internet veloz é visto como uma forma de reduzir a distância que separa essas nações das mais ricas em termos de educação e produção de conhecimento, fatores que interferem diretamente no crescimento econômico.
Isso é comprovado por números. Segundo estudo do Banco Mundial, um aumento de 10% na penetração da banda larga pode contribuir com 1,21 ponto percentual de crescimento no Produto Interno Bruto (PIB) de países desenvolvidos. Já nos países emergentes, a evolução das riquezas produzidas pode chegar a 1,38 ponto percentual.
Os planos são projetados, na verdade, para corrigir deficiências criadas ao longo dos anos, em cada mercado, envolvendo preço. As iniciativas dos governos forçam o estabelecimento de conexões mais baratas e o lançamento do serviço em áreas remotas, lembra Márcio Couto, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV).
De acordo com Katz, da Columbia Business School, existem três modelos nos quais os governos têm baseado seus planejamentos. No primeiro, o governo traça objetivos e metas e trabalha na melhoria do ambiente regulatório para que elas possam ser atingidas pela iniciativa privada. No segundo, os governos destinam linhas de crédito específicas para inclusão digital. No terceiro modelo, o governo entra diretamente na prestação de serviço, ou oferece infraestrutura de banda larga.
Dependendo do país, as medidas são adotadas de forma isolada, como aconteceu no Canadá, ou até mesmo em conjunto, caso de Cingapura. Para Katz, a interferência do Estado é bem-vinda. "Ninguém pode esperar que a inciativa privada invista em regiões onde é mais difícil ganhar dinheiro, como áreas afastadas dos grandes centros e zonas rurais", diz. O consultor afirma, no entanto, que é preciso deixar claro até onde vai a influência estatal.
Peter Sondergaard, vice-presidente global de pesquisa da consultoria Gartner , acredita que é preciso pensar além da banda larga. "A conexão em alta velocidade só será a plataforma sobre a qual você vai construir alguma coisa, se houver pessoas com habilidade para usá-la e uma percepção de que esse cenário demanda uma mudança do ponto de vista de modelos de negócios das empresas", opina Sondergaard.
Para o executivo, é preciso construir uma política econômica em torno da tecnologia da informação que combine investimentos públicos e privados para criar a infraestrutura e a capacitação necessárias para o novo cenário. "Se só uma dessas coisas acontecer, o valor do investimento em banda larga será limitado."