Título: Cenário traz mais riscos para inflação, observa BC
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2010, Brasil, p. A8
O Relatório Trimestral de Inflação, do Banco Central, mostrou projeções para a trajetória de preços mais comportadas que o documento anterior, divulgado em junho, em linha com a expectativa do mercado. Ao mesmo tempo, apresentou uma série de advertências para a concretização de um cenário inflacionário benigno, que não estavam contempladas no balanço de riscos de três meses atrás, como inflação de alimentos e a crise na Europa. O BC também condicionou as previsões para a inflação na meta ao cumprimento do superávit primário "cheio", de 3,3%, sem descontos dos investimentos feitos pelo governo, em 2011 e 2012. A autoridade monetária considera, portanto, em seu cenário-base, que haverá um aperto fiscal a ser executado pelo setor público no próximo ano da ordem de 1% do PIB, como forma de reduzir a demanda agregada e contribuir para a convergência da inflação para a meta.
O superávit primário esperado passa de 2,4% neste ano (quando serão descontados os investimentos do PAC), para 3,3% em 2011, diz Carlos Hamilton Araújo, diretor de Política Econômica do BC. O mercado, de acordo com o Focus, espera um superávit primário de 2,6% para este ano e de 2,93% para 2011.
"Essa é a nossa hipótese de trabalho, de recuperação das contas fiscais em 2011, com um esforço contracionista da ordem de 1% do PIB. Com as informações de que nós dispomos, informações públicas, do Orçamento, estamos confortáveis com essa hipótese", disse Araújo. O BC também não contabiliza na projeção para 2010 o efeito positivo da capitalização da Petrobras, de R$ 30 bilhões, pois até agora não houve impacto na demanda agregada. "Do ponto de vista de projeção, tem que ver se tem impacto na demanda agregada", afirma.
Com esses novos parâmetros, os modelos do BC para a inflação de 2011 e 2012 recuaram e as estimativas estão mais próximas da meta. O BC projeta inflação de 5% no fim de 2010 (era de 5,4% no relatório anterior), de 4,6% no fim de 2011 (era 5% ) e de 4,4% no 3º trimestre de 2012, todas no chamado cenário de referência, em que a Selic e o câmbio são mantidos constantes - em 10,75% e R$ 1,75. No cenário de mercado, que leva em consideração as projeções feitas pelos analistas para o Boletim Focus, os números são semelhantes: inflação de 5% em 2010, 4,6% em 2011 e 4,3% no 3º trimestre de 2012.
Ao mesmo tempo em que revela um cenário mais otimista, o BC reconhece, no lado doméstico, "a existência de riscos de elevação da inflação no curto prazo, por exemplo, os associados à reversão do processo de queda dos preços dos alimentos registrado em meses recentes". O próprio diretor do BC abriu a palestra de apresentação dos dados do relatório com uma transparência que enumerava justamente os riscos da não concretização do cenário benigno.
Para ele, os riscos vão além da questão dos alimentos. Um ponto importante tem origem nas condições do mercado de trabalho, que "deve ser olhado com muito cuidado". "Aumento de salário, aumento real, eleva consumo e o bem-estar das famílias, mas do ponto de vista econômico é importante que aconteça em linha com ganhos de produtividade, senão existe risco de que eventuais excessos sejam repassados para os preços."
Com relação ao setor externo, as novidades são os "possíveis desdobramentos da crise europeia, que ganhou uma dinâmica ainda menos favorável desde a divulgação do último relatório". Outro risco se refere à possibilidade de elevações significativas nos preços das commodities, risco que persiste desde junho e que é tratada em anexo à parte (ver reportagem abaixo). Apesar disso, o BC reafirmou sua premissa de que "os efeitos do cenário externo sobre a dinâmica dos preços domésticos tendem a ter viés desinflacionário".
Por fim, coube a ressalva feita por Araújo. "A convergência da inflação para o valor central da meta tende a se concretizar, mas caso o nosso cenário não se materialize tempestivamente, ou se reduzam as possibilidades de concretização, como sempre tem sido feito, a política monetária vai atuar no sentido de garantir o cumprimento da meta", disse.