Título: Mídia estrangeira destaca Dilma e desafios
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2010, Política, p. A9
De uma burocrata pouco conhecida, Dilma Rousseff deve adicionar a seu currículo, que já inclui participação na guerrilha e vitória sobre o câncer, o título de primeira presidente mulher do Brasil. Essa é a avaliação da reportagem especial que o "The Wall Street Journal" publica em sua primeira página hoje. O longo perfil de Dilma não contou com entrevista com a candidata petista, que se negou a falar, mas, segundo a reportagem, são "quase duas dúzias de colegas do passado e do presente entrevistados" para o seu perfil. O trabalho do "Wall Street" é um dos vários perfis e reportagens especiais que a imprensa internacional publica hoje, mapeando as eleições que ocorrem no domingo.
Na reportagem, o "Wall Street Journal" afirma que "para céticos, Dilma tem demonstrado pequeno interesse em bancar as reformas estruturais que alguns dizem necessárias para o Brasil deixar de ser uma nação emergente". Entre as prioridades listadas pelo jornal estão a dependência das commodities e um possível mergulho na demanda chinesa, o principal importador de produtos brasileiros. Além disso, o "Wall Street" também fala em reduzir "uma das maiores cargas tributárias do hemisfério" e em controlar os gastos públicos, que "dobraram durante o governo Lula".
A crítica à alta carga tributária brasileira também figurava ontem no blog "Americas", que acompanha os países latino-americanos, da "The Economist". Assinado pelo enviado do semanário inglês ao Rio de Janeiro, o blog destacava ontem que "uma das coisas mais impressionantes da campanha deste ano é a quase total ausência de debate sobre projetos". O que mais intriga o correspondente da revista é a falta de discussões sobre os tributos no país. A resposta, ele mesmo dá: "Em parte, isso ocorre porque a sombra de Luiz Inácio Lula da Silva paira sobre tudo."
Lula é o principal protagonista da matéria especial que a "The Economist" publica em sua edição de hoje sobre as eleições presidenciais brasileiras. Intitulada "O legado de Lula", a reportagem da revista é categórica em afirmar que "a vida dos brasileiros está melhor hoje do que estava há oito anos, mas Lula deixa problemas para serem solucionados por sua sucessora escolhida, que carece de seu magnetismo pessoal".
A revista desenha o cenário político brasileiro por meio do sucesso econômico, elencando o forte crescimento da economia, a geração de empregos e a ampliação da renda. "O homem que liderou durante todo esse processo é proibido pela Constituição brasileira de concorrer pela terceira vez, então quem melhor para sucedê-lo, se perguntam os eleitores, que a mulher que ele endossa?", pergunta a reportagem, que destaca que o principal candidato da oposição, José Serra (PSDB), "parecia acreditar que uma tecnocrata incolor seria fácil de bater". Em seguida, a revista arremata: "Ele estava errado."
Tanto o "The Wall Street Journal" quanto "The Economist" citam o escândalo que causou a demissão de Erenice Guerra do Ministério da Casa Civil, há duas semanas. Antes deles, em reportagem especial publicada na terça-feira, o jornal "The New York Times" falava que o episódio reduzira o ímpeto de crescimento nas pesquisas de Dilma, mas que a petista "ainda é largamente favorita para vencer".
Com texto mais incisivo, a "The Economist" repercute o caso: "Dilma é incompetente ou cúmplice, disse Serra. Mas poucos parecem estar ouvindo. Na verdade, os brasileiros estão deleitando-se com um momento de ouro", afirma a reportagem, que chama a atenção para a resiliência recém-adquirida pela economia, que deixou rapidamente a crise mundial desencadeada nos Estados Unidos em setembro de 2008 e aponta para expansão superior a 7% no Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.
Entre os críticos ao governo Lula entrevistados pela "The Economist" estão economistas da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), de onde muitos quadros do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) saíram. "Eles acusam Lula", diz a revista, "de ter usado a recessão mundial para aumentar o espaço ocupado pelo Estado na economia".
Sobre Dilma, a revista avalia que sua política externa, de início, será menos "aviltante" que Lula. "Até que ela se sinta confortável", afirma a reportagem, que destaca as figuras de Antonio Palocci, José Dirceu e Luciano Coutinho. Para a revista, Palocci funciona como um indicativo de que haverá alguma forma de aperto fiscal, baseado no "ajuste realizado no primeiro mandato de Lula" - quando Palocci era ministro da Fazenda. Coutinho, chamado de o "arquiteto da política industrial" por ser o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pode ocupar o cargo que antes pertencera a Palocci e hoje está com Guido Mantega. "Mas ainda há gente como José Dirceu, o arquiteto do mensalão, que é um grande protagonista de sua campanha."
Para "The Economist", Dilma "herda um país melhor que o herdado por Lula", especialmente porque não cedeu à tentação de alterar a Constituição a fim de permitir um terceiro mandato. Para o "The Wall Street Journal", uma vitória de Dilma "estenderia o legado do presidente imensamente popular".
O otimismo internacional atinge inclusive a prestigiada revista "Nature", que em reportagem publicada em seu site na quarta-feira destacava que "Dilma pode ser ainda melhor para a ciência brasileira que o presidente Lula", que, segundo a revista, elevou o status da ciência nacional por meio de financiamento crescente à pesquisa. No fim, a revista faz um mea culpa: "Também não seria necessariamente uma má notícia para a ciência se Serra vencer."