Título: Prestígio de Aécio alavanca Anastasia
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2010, Política, p. A15

O governador de Minas Gerais, Antonio Junho Anastasia (PSDB), chega às eleições neste domingo com chances de se reeleger no primeiro turno. Conta com 43% de intenções de voto na pesquisa do Datafolha divulgada ontem, ante 36% do senador Hélio Costa (PMDB) e 5% da soma de outros candidatos. O tucano teve 52% dos votos válidos, percentual que está dentro da margem de erro para definir se haverá ou não um segundo turno, mas uma pesquisa divulgada segunda-feira pelo Ibope mostrava o tucano em ascensão, com 13 pontos de vantagem. Se reeleito, Anastasia repete a trajetória de outros tecnocratas, como os prefeitos de São Paulo, Celso Pitta, ou do Rio, Luís Paulo Conde, que ganharam eleições graças ao prestígio de um padrinho político. No caso mineiro é o ex-governador Aécio Neves (PSDB), com 67% de intenções de voto no Datafolha para o Senado, que pode ainda eleger o colega de chapa, o ex-presidente e ex-governador Itamar Franco (PPS), que obteve 43% das citações. O ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel (PT) ficou com 34%.

A provável derrota de Hélio Costa e de Pimentel deve fomentar a divisão dentro do petismo mineiro. Na reta final da campanha, o rival interno de Pimentel, Patrus Ananias, candidato a vice na chapa de Hélio, responsabilizou a ala de Pimentel pelo mau desempenho do pemedebista na região metropolitana de Belo Horizonte. Segundo o Datafolha, Anastasia abre 26 pontos na capital mineira.

Fracassou em Minas Gerais, em todos os sentidos, os movimentos pela nacionalização da campanha. Nem Hélio Costa conseguiu dividendos da aliança do PT e do apoio da candidata petista à Presidência, Dilma Rousseff e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - presenças diárias em sua propaganda televisiva - e nem o candidato presidencial tucano, José Serra, conseguiu associar o seu nome aos de Aécio e Anastasia, mesmo visitando Minas Gerais 14 vezes durante a campanha. O eleitor deve votar pela continuidade dos atuais grupos políticos, tanto no plano estadual, quanto no plano nacional, da mesma forma que fez em 2006, quando Aécio e Lula se reelegeram com grandes votações no Estado.

Tamanha era a aposta das cúpulas nacionais do PSDB, do PT e do PMDB de que a eleição mineira teria grande impacto na sucessão presidencial que o quadro da disputa regional demorou muito a se definir. Só se delineou às vésperas das convenções, em maio, quando ficou claro que Aécio não seria candidato a vice na chapa de José Serra. O processo eleitoral foi deflagrado em dezembro do ano passado, com três acontecimentos: a retirada da pré-candidatura presidencial de Aécio Neves e as eleições internas para os diretórios estaduais do PT e do PMDB.

Ao deixar a cena tucana para José Serra, Aécio automaticamente definiu o então vice-governador Antonio Anastasia (PSDB) como o seu candidato. Até então, Aécio ainda considerava outra hipótese: a de apoiar a candidatura de Hélio Costa, como forma de construir uma base monolítica em Minas para a aventura presidencial e inviabilizar as negociações para uma aliança entre PT e PMDB.

A luta dentro do PMDB deu uma clara vantagem para Costa e seus aliados, que conseguiram 57% dos votos para a eleição do deputado federal Antonio Andrade como presidente estadual. Isso retirou das negociações eleitorais os rivais internos, sendo o ex-governador Newton Cardoso o mais forte deles. Caso perdesse a eleição interna, Hélio Costa já havia definido que tentaria a reeleição ao Senado.

A desgastante eleição direta do PT, marcada por acusações generalizadas de fraude, não deu uma vitória clara ao grupo de Fernando Pimentel, que controla a direção estadual. Assim que o resultado oficial foi proclamado, com a reeleição por estreita margem do deputado federal Reginaldo Lopes como presidente estadual, o então ministro do Desenvolvimento Social Patrus Ananias pediu prévias para a escolha do candidato do partido a governador. A divisão petista alavancou a articulação em Brasília para que Minas Gerais entrasse no dote dos apoios regionais petistas ao PMDB, exigidos para consolidar a aliança entre os dois partidos. A prévia foi realizada em março, época em que os dois lados do PT já sabiam que as cúpulas nacionais petistas e pemedebistas já haviam acertado a aliança em torno de Hélio Costa.

Patrus terminou por se tornar vice na chapa de Hélio Costa, e Pimentel, candidato ao Senado. Mas a solução não foi agregadora: os aliados de Pimentel foram permanentemente acusados de falta de engajamento na campanha de Hélio. O ex-prefeito argumentou que, como candidato isolado a uma das duas vagas ao Senado, não poderia realizar sua campanha associado ao pemedebista, já que Aécio e Itamar realizavam a campanha em conjunto. Patrus tornou-se um candidato a vice fora do padrão: recebeu a coordenação da campanha presidencial em Minas e todo o material de campanha de Hélio Costa destacava de forma igual o seu nome e o do titular da chapa.

Era uma tentativa de agregar os votos petistas a Hélio, que se revelou mal-sucedida. O senador pemedebista encerrou a campanha em torno dos 35% nas pesquisas de intenção de voto, o mesmo patamar onde estava no começo do ano, em simulações que incluíam os dois petistas como adversários. As 13 visitas da candidata presidencial petista Dilma Rousseff a Minas Gerais tampouco o impulsionaram. Os votos dados aos líderes petistas migraram para Anastasia, que entrou na corrida para governador patinando em torno de 10%.

Para viabilizar seu candidato, entre janeiro e março, Aécio deu início a um frenesi de viagens ao interior. Professor de direito na UFMG e burocrata, ex-secretário de Cultura, Planejamento e Segurança em duas administrações estaduais e ministro interino do Trabalho na Presidência de Fernando Henrique Cardoso, o então vice-governador sempre foi reconhecido nos ambientes políticos e empresariais como o gerente da máquina do governo, mas Anastasia era virtualmente um anônimo fora dos corredores palacianos. Aécio administrou uma disputa entre o PP e o DEM pela vice na chapa de Anastasia que não deixou sequelas. Montou uma chapa ao Senado com o ex-presidente Itamar Franco (PPS) disputando a segunda vaga, fechando a porta para uma articulação informal entre seu nome e o de Pimentel.

Teve o cuidado de atrair o PDT e o PSB, abrindo caminho para o chamado "Dilmasia", a associação informal em apoio a Dilma para presidente e Anastasia para governador, alimentada especialmente pelos partidos que fazem parte simultaneamente das bases de Aécio e Lula. É o caso do PSB, do PDT, PP e PR. Na reta final da campanha, os tucanos investiram na atração de prefeitos petistas e pemedebistas de pequenas cidades.

As cúpulas do PT e do PMDB jogaram pesado para tentar fazer que o "Dilmasia" se tornasse um "Dilmélio": houve uma intervenção no pequeno PRB do vice-presidente José Alencar para que o partido saísse da base tucana e uma tumultuada convenção do PR, em que o presidente estadual da sigla, o ex-vice-governador e presidente da Confederação Nacional dos Transportes, Clésio Andrade, foi batido pelos deputados e prefeitos do partido, que preferiam se associar a Anastasia.

Aos 73 anos e marcado pelas derrotas ao governo estadual em 1990 e 1994, Hélio Costa empenhou-se durante a campanha em reposicionar-se ideologicamente. O senador concorreu a governador nas eleições anteriores apoiado em alianças conservadoras. No primeiro caso, com o então presidente Fernando Collor. No segundo, tendo o então PFL, hoje DEM, na posição de vice. Nesta campanha, Costa colocou-se como um emissário de Brasília. Destacou que permaneceu cinco anos no ministério de Lula. Chegou a chorar, ao referir-se ao presidente em entrevistas. Disse claramente que a sua eleição era a condição para que Minas tivesse um tratamento privilegiado, caso Dilma fosse eleita. E cobrou permanentemente o apoio de Lula, de Dilma e dos petistas locais.

Sob responsabilidade do marqueteiro Duda Mendonça, a propaganda de Hélio Costa curiosamente abandonou o tom emotivo que caracteriza as suas peças para uma argumentação racional. O primeiro eixo era valorizar a aliança: vote em um (Hélio) e eleja dois (Hélio e Patrus), era o principal mote da campanha. O segundo eixo era a presença de Dilma e Lula como cabos eleitorais. Subentendia-se que a eleição de um governador opositor em Minas Gerais poderia prejudicar o Estado.

Já Anastasia fez uma campanha absolutamente integrada a de Aécio, em que o bairrismo foi exaltado. O nome de sua coligação era "Sou Minas Gerais" e o símbolo, o triângulo vermelho da bandeira do Estado. "As questões de Minas são decididas pelos mineiros", tornou-se um bordão antinacionalizador de sua campanha. O candidato tucano à Presidência, José Serra, teve presença discreta. A música que embalou os programas de TV foi gravada por vários cantores mineiros tradicionais, como Milton Nascimento, Beto Guedes, Flavio Venturini e o grupo Skank. A mensagem subliminar é que o voto em Anastasia alimentava a pretensão de Aécio de concorrer futuramente à Presidência, estruturando a volta de Minas Gerais ao centro da política nacional.