Título: Amapá vota sob ameaça de intervenção
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Fonte: Valor Econômico, 01/10/2010, Política, p. A21

Sob ameaça de intervenção federal, o Amapá vive a eleição mais conturbada de sua história, em meio à prisão de governador, ex-governador e secretários. Com apenas 420 mil eleitores - 0,3% do eleitorado nacional - o Amapá terá no domingo a sua quinta eleição estadual com um governador que tenta a reeleição após ser preso, caso inédito no país. Pedro Paulo Dias (PP) foi para a prisão no dia 10 de setembro na operação Mãos Limpas, da Polícia Federal, por suposto envolvimento em esquema de desvio de verbas federais estimado de R$ 300 milhões a R$ 800 milhões. Na prisão, Dias foi acompanhado de 17 pessoas, entre elas o ex-governador Waldez Góes (PDT) e da ex-primeira dama Marília Góes.

Waldez deixou o segundo mandato neste ano para candidatar-se ao Senado. Waldez e Dias passaram nove dias presos em Brasília e foram soltos a duas semanas das eleições. No período, o Estado foi governado pelo presidente do Tribunal de Justiça, Dôglas Evangelista. Enquanto a campanha transcorre, a PF continua a fazer buscas e apreensões para concluir as provas da investigação sobre desvio de dinheiro público envolvendo, além de secretarias estaduais, a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas do Estado, a prefeitura de Macapá e superintendências de órgãos federais.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski, veio a Macapá na semana passada preocupado com as eleições e deixou à disposição o envio de tropas federais para o dia da votação. O Tribunal Regional Eleitoral do Amapá (TRE-AP) só pediu tropas do Exército para ajudar no Oiapoque, como já fez em outros anos, onde o acesso é mais difícil, especialmente das reservas indígenas. Segundo o superintendente da PF no Estado, Roberto Maia, foi discutida a possibilidade da intervenção no Estado. A avaliação foi que a operação não resultou em um clima de instabilidade nas eleições. "Não há necessidade de intervenção", diz o procurador regional eleitoral do Estado, José Cardoso Lopes. Mas algumas autoridades federais ligadas à investigação estudam a intervenção após as eleições.

Há pedidos de intervenção entregues no TRE-AP e na Justiça Federal de autoria do movimento Mãos Limpas. "Precisa haver intervenção por causa do comprometimento da assembleia, do TCE, do governo do Estado e da prefeitura", diz um dos organizadores do movimento, Dorinaldo Malafaia. Formado por sindicatos de trabalhadores da saúde, jovens de pastorais católicas, estudantes e acadêmicos, o movimento defende a cassação do governador Pedro Paulo. "Não existe possibilidade de ele conduzir o Estado até o ano que vem", afirma Malafaia.

Outro problema que preocupa a Justiça no Amapá é a recorrente compra de votos, motivo de cassação de João Capiberibe e de sua mulher Janete Capiberibe, após as eleições de 2002. Na noite de quarta-feira, o TSE reiterou a impugnação da candidatura de Janete à câmara estadual com base na Lei da Ficha Limpa devido ao episódio. Janete já recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e vai manter a candidatura. Distribuição de dinheiro vivo, oferta de emprego público entrega de material de construção ou de combustível para transporte dos eleitores são os tipos mais comuns da compra do voto. A prática ocorre nas regiões mais pobres de Macapá, nas áreas alagadas e nas pontes, que dão acesso das pessoas às casas, sobre o mangue. Num Estado pobre onde a administração pública representa cerca de metade da economia, com grande dependência de transferências federais, entremeado de denúncias de corrupção, época de eleição é encarada como oportunidade de aumentar a renda ou melhorar a moradia. "Tem gente que bota placa na frente de casa dizendo: "Vendo sete votos"", dizia uma atendente de uma loja no centro de Macapá. Entre os políticos, a prática é difundida devido ao pequeno eleitorado. Um candidato a deputado estadual, por exemplo, consegue se eleger com 5 mil votos .

A prisão do candidato à reeleição Pedro Paulo beneficiou Lucas Barreto, candidato do PTB e favorito nas pesquisas. Ex-deputado estadual, Lucas já foi ligado ao ex-governador Waldez , quando era do PDT. Brigou com Waldez depois de descobrir uma suposta fraude do governo quando era presidente da Assembleia Legislativa, em 2004. Lucas se diz "o candidato da mudança" e contra as oligarquias dos Capiberipe, liderada pelo ex-governador João Capiberibe (PSB), e dos Góes. De fala calma, Lucas evita fazer ataques aos adversários envolvendo a operação da PF. Pesa contra ele a amizade com o senador José Sarney (PMDB), eleito desde 1990 no Amapá. Lucas foi indicado como assessor de Sarney em um dos atos secretos do Senado. O candidato do PTB não desmente, mas afasta o senador maranhense de sua candidatura. "Não sou candidato do Sarney, sou candidato do povo do Amapá", diz.

Sarney está fora de cena da campanha do Amapá e deve aparecer apenas no domingo para votar em uma escola no centro de Macapá. Todos os quatro candidatos ao governo à frente nas pesquisas, de uma forma ou de outra, já foram ligados ao senador.

O candidato Jorge Amanajás (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa, seria o candidato governista e contaria com apoio de Waldez Góes, que no passado já foi aliado de João Capiberibe e de Sarney. O problema é que, durante as negociações de candidaturas, Pedro Paulo, então vice de Góes e a caminho do governo, insistiu na candidatura própria. Sem apoio de Góes, Amanajás tentou negociar apoio com Camilo Capiberibe, de olho do capital eleitoral do pai de Camilo, João Capiberibe. Camilo já havia apoiado a indicação de Amanajás para a presidência da Assembleia e iria ser vice de Amanajás. Resolveu, contudo, lançar candidatura própria pelo PSB aliado ao PT depois que o PSDB fechou coligação com o PMDB local, ligado a Sarney, atualmente principal rival dos Capiberibe.

Amanajás também aparece no inquérito da PF. Sua prisão chegou a ser pedida pela PF, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não concedeu e obrigou que o candidato tucano fosse depor sobre o suposto envolvimento em desvio de verbas da Assembleia Legislativa para um cursinho pré-vestibular do qual é proprietário.

Em outras épocas, Sarney também foi ligado aos Capiberibe. Em 1990, na primeira eleição estadual do Amapá, João Capiberibe concorreu com apoio de Sarney. Perdeu para Aníbal Barcelos, o último governador indicado pelo regime militar, quando o Amapá ainda era território federal, condição que só deixou de existir a partir da Constituição de 1988. Em 1994, Sarney apoiou Capiberibe no segundo turno. Capiberibe vence em 1994 e é reeleito em 1998, quando rompe com Sarney. Hoje, Camilo se coloca como o candidato de oposição.

Segundo a pesquisa mais recente de intenção de voto para governador, divulgada no dia 13 de setembro pelo Ibope, Lucas tem 34%, Amanajás aparece com 23%, Camilo com 17% e Pedro Paulo com 11%, o que indica a realização de segundo turno. Para o Senado, a disputa está ainda mais indefinida. João Capiberibe tem 39%. Randolfe Rodrigues (P-SOL) tem 36%, igual percentual de Gilvam Borges (PMDB). Waldez Góes aparece com 35%. Papaléo Paes (PSDB) tem 12%.