Título: Chávez faz Venezuela depender ainda mais do petróleo
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 01/10/2010, Internacional, p. A23
A recuperação da economia venezuelana, que deverá encolher pelo segundo ano seguido em 2010, divide os analistas. O certo é que, nos 11 anos sob administração do presidente Hugo Chávez, a Venezuela acentuou sua dependência do petróleo. As exportações de óleo bruto, gás e derivados representavam 78% das vendas totais ao exterior em 1999, o primeiro ano da "era Chávez". Em 2010, em meio à retração da indústria local, essa participação alcançará 96%.
Outro indicador importante, segundo o economista Asdrúbal Oliveros, diretor da consultoria Ecoanalítica, mede o déficit comercial do país excluindo-se o setor petrolífero. De 12% do PIB, em 1998, passou-se para 20% neste ano. "Hoje a Venezuela é mais dependente do petróleo."
Com preços do petróleo estáveis e produção estagnada por falta de novos investimentos na estatal PDVSA, a economia sofreu os efeitos da recessão global e do racionamento de energia elétrica. O PIB deverá cair perto de 2% em 2010, mas iniciou uma tímida recuperação no segundo trimestre. A dúvida é se as taxas de crescimento observadas entre 2005 e 2009, quando a economia se expandiu a um ritmo médio de 6%, poderão reaparecer.
Sim, é a resposta do Center for Economic and Policy Research, de Washington. Apesar da hostilidade à comunidade empresarial, a taxa de investimento ainda é alta para padrões internacionais - foi de 28% em 2009 - e sempre se recuperou rapidamente quando a economia deu sinais de sair da recessão. Foi assim, lembra o centro de estudos, até em 2003, quando a crise política atingiu seu auge.
"Isso indica que muitos investidores domésticos, quando veem a possibilidade de ter lucros no país, aproveitam a oportunidade. Embora a maioria dos homens de negócios na Venezuela seja conservadora e contra o governo, também pode ser pragmática. A probabilidade de que qualquer investidor perca dinheiro com desapropriações continua sendo muito pequena", dizem os analistas Rebecca Ray e Mark Weisbrot, em estudo recém-divulgado sobre o país.
Com a desvalorização do bolívar, eles argumentam que a indústria conseguirá recuperar boa parte da competitividade perdida com a taxa de câmbio elevado e fazer frente às importações de certos produtos acabados. Outro ponto sublinhado pelos dois analistas: a inflação, apesar de a mais alta da América Latina, praticamente estacionou em um índice anualizado de 26%. Por um lado, contrariou as expectativas de quem estimava até 60% de alta após a maxidesvalorização de janeiro.
Por outro, é um índice considerado alto demais para uma economia desaquecida. "Há um cenário de estagflação prolongada, que nem a literatura econômica contempla", diz Oliveros. Ele prevê queda de 2,4% em 2010 e crescimento de 1,4% em 2011, com inflação de até 30%.
"Pode haver uma flutuação em torno de crescimento zero, mas nada forte nem sustentável", avalia Orlando Ochoa, que é professor da Universidade Andrés Bello e é ligado à oposição. "Não pode haver recuperação via demanda."
Para os chavistas mais radicais, olhar simplesmente esses indicadores induz ao erro de análise. "Temos o diesel mais barato do mundo, as tarifas de eletricidade não sobem desde 2007 e os indicadores sociais melhoraram, mas o mercado capitalista não leva isso em consideração", diz Eduardo Samán, ex-ministro do Comércio e hoje editor de economia do "Diario Vea", defensor do governo de Chávez.
De fato, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe da ONU (Cepal) informou recentemente que a Venezuela foi o país da região que mais diminuiu as desigualdades sociais entre 2002 e 2008. A população que vive em condições de pobreza, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, diminuiu de 48% em 1999 para 28% em 2009.
Para fomentar o crédito - ou, na visão dos economistas mais críticos, simplesmente para repor artificialmente o poder aquisitivo da classe baixa, comprometido pela inflação -, Chávez entregou na semana passada os primeiros "cartões de crédito bolivarianos". Trata-se da chamada "Cédula del Buen Vivir".
Os cartões servirão para a compra de alimentos e eletrodomésticos em supermercados estatais. As compras poderão ser parceladas em 24 meses, com juro anual de 15%. Segundo o governo, cerca de 20% a 30% dos 650 mil clientes dos bancos estatais deverão receber o cartão.
Para Orlando Ochoa, isso deve ter pouco reflexo na atividade econômica. Até porque a demanda será atendida por 300 mil eletrodomésticos importados da China, sem acabamento local. "O efeito é mais psicológico do que real. Para os funcionários públicos, que tiveram o poder aquisitivo deteriorado e são alvo do programa, certamente há algum impulso. Mas isso é totalmente insuficiente para tirar a economia da crise", observa.
A China também é citada por economistas que se preocupam com o endividamento da Venezuela. O país contraiu empréstimo de US$ 20 bilhões com os asiáticos, que serão pagos com o fornecimento de petróleo. De acordo com José Guerra, ex-gerente de pesquisas econômicas do Banco Central, a PDVSA precisará entregar 250 mil barris em 2011 à China sem receber nenhum dólar em troca, já que o pagamento foi antecipado.
Outros economistas ponderam que a dívida pública total é de apenas 18,4% do PIB e que as reservas internacionais - em US$ 28 bilhões - são suficientes para pagar seis meses de importações, o que daria relativa tranquilidade. Geralmente, quando as reservas ultrapassam US$ 28 bilhões, o BC transfere o excedente a um fundo de uso discricionário do governo.