Título: Tapete vermelho estendido
Autor: Mainenti, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 19/07/2010, Economia, p. 10

Companhias aéreas intensificam parcerias para encurtar as distâncias entre brasileiros e africanos. Tendência é de que os negócios avancem

As oportunidades abertas num continente redescoberto pelo mundo neste ano por causa da Copa do Mundo têm chamado a atenção de quem vê na região boas possibilidades para fazer negócios. Com isso, as portas que unem o Brasil aos países do continente se abrem cada vez mais. Atualmente, duas empresas estrangeiras, South African Airways e Angola Airlines, oferecem voos regulares e sem escala para Johannesburgo e Luanda, respectivamente. Porém, a lista pode aumentar. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) acaba de firmar um acordo bilateral com a Etiópia para operar voos diretos ligando os dois países. Dessa maneira, o trajeto está aberto para que as companhias que mostrarem interesse em operar, como a Ethiopian Airlines, que voa para 59 destinos internacionais, cheguem ao Brasil.

¿O crescente volume de investimentos e comércio é uma mostra da presença brasileira na África, que precisa ser acompanhada de maior conectividade¿, ressalta a diretora presidente da Anac, Solange Paiva Vieira. De olho na ampliação de destinos para o continente, a agência também renegociou acordos com países como Gana, Nigéria, Moçambique, Egito e Marrocos. Tudo em nome da visibilidade que a região vem alcançando para a realização de novos negócios.

De olho nesse mercado, empresários como Eduardo Moraes, diretor da Latinex, empresa que exporta alimentos industrializados para 10 países do continente, embarcam na ponte-aérea Brasil-África com cada vez com mais regularidade. ¿Hoje, a região é o nosso principal mercado, sendo responsável por aproximadamente 30% do faturamento. Então tenho que viajar pelo menos duas vezes por ano para visitar clientes e tentar novos parceiros¿, conta.

A companhia South Africa Airways (SAA), que opera no país há 41 anos, anunciou, recentemente, que ampliou de sete para 11 o número de voos semanais que partem do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para a cidade de Johannesburgo, na África do Sul. É na cidade sul-africana que a empresa tem o seu centro de operações (hub(1)), que liga os voos da companhia que partem do Brasil para outros destinos da África e da Ásia. ¿A ampliação da frequência de voos é uma demonstração clara de como essa rota está aquecida¿, diz a superintendente de marketing da SAA, Flávia Romani.

Para ela, a realização da Copa do Mundo trouxe mais visibilidade e serviu para ampliar as informações que os brasileiros tinham do continente. ¿Antes, a África era considerada exótica e até elitista. Mas agora, com a exposição positiva que o mundial de futebol trouxe, a região se mostrou extremamente organizada, com boas oportunidades de investimento e com um povo alegre e receptivo¿, explica. ¿Além das belezas naturais, o continente também tem cidades agradáveis e inúmeras opções para o turismo e negócios¿, afirma Flávia.

Conexões As parcerias firmadas entre as diferentes operadoras aéreas também têm se mostrado fundamentais para aumentar o número de clientes que viajam dentro do continente. Utilizando esses sistemas, empresas como a alemã Lufthansa, a inglesa British Airways, a lusa TAP Portugal, a francesa Air France e a norte-americana Delta levam passageiros brasileiros para a África, por meio de conexões em cidades europeias. ¿As alianças são muito importantes, já que elas possibilitam aumentar a exposição e a distribuição da presença das empresas em outros países¿, comenta a superintendente de marketing da SAA.

Atualmente, a SAA tem acordo com a TAM por meio da Star Alliance, que permite que os passageiros que chegam da África ao Brasil possam se deslocar para outras partes do país dentro da aliança entre as duas empresas. De acordo com Flávia Romani, o fluxo de transporte aéreo para o continente tende a aumentar nos próximos anos, devido ao potencial de negócios oferecidos. ¿Tanto o número de brasileiros que vão para a África quanto o de africanos que desembarcam no país tendem a aumentar, principalmente pela demanda que a próxima Copa do Mundo irá gerar. Muitas empresas que marcaram presença na África do Sul vão vir para cá fazer negócios para a Copa de 2014¿, aposta a executiva, acrescentando que, além dos tradicionais turistas que partem para conhecer o continente, cada vez mais homens de negócios fazem parte da lista de passageiros que embarcam com a companhia.

1 - Ponto de conexão É a designação dada ao aeroporto utilizado por uma companhia aérea como ponto de conexão para transferir seus passageiros para o destino pretendido. Pelo sistema hub-and-spoke (cubo e raios, como em uma roda de bicicleta), viajantes em trânsito entre aeroportos que não são servidos por voos diretos trocam de aeronave para continuar sua viagem ao destino final.

Motores do outro lado do Atlântico

Mariana Mainenti

A África sempre foi conhecida por suas riquezas minerais. Além do petróleo, é possível encontrar nos países da região desde ouro e diamantes até o coltan (columbita-tantalita), muito usado em telefones celulares. Mas o que atrai hoje os empresários que atravessam o oceano Atlântico em busca de negócios é o crescimento econômico.

Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que, em 2008, a Angola cresceu 13%. Após sofrer uma queda de 0,4% do PIB em 2009, a expansão prevista para o país este ano já é de retorno a um patamar de 7%, chegando a 8,3% em 2011. A Líbia amargou salto menor em 2009 devido à queda na receita com o petróleo, mas deve atingir 5,3% este ano. A economia da Namíbia, que também sofreu com a crise internacional, caindo 0,7% em 2009, deverá atingir 1,7% em 2010 e chegar a 2,2% em 2011.

Em outros países, a turbulência global nem sequer fez cócegas. Cabo Verde ampliou seu PIB em 4,1% no ano passado e este ano deve atingir os 5%. Gana também cresceu em 2009 (3,5%) e este ano chegará a cerca de 4,5%. Para 2011, a previsão situa-se em impressionantes 20%. Já Moçambique, que nos últimos três anos vem crescendo na casa dos 6,5%, a estimativa é bater em 7,5% no ano que vem. A Tanzânia, outra promessa continental, cresceu 5,5% no ano passado e deve chegar a 6,2% em 2010 e a 6,7% em 2011.

Anfitriã da Copa do Mundo, a economia da África do Sul sofreu com a crise, caindo 1,8% em 2009 ¿ neste ano, porém, deverá obter uma recuperação atingindo 2,6%. Em 2011, as previsões apontam para alta de 3,6%. Parte da recuperação será herança da própria Copa. Empresas como a brasileira Othos Telecomunicações, especializada em tecnologia VoIP (transmissão de voz via computador), ampliaram seus contatos durante o evento esportivo e esperaram agora aumentar seus negócios no país. ¿Com a Copa, a África do Sul ficou com uma internet de qualidade muito boa, o que abre espaço para os nossos serviços¿, afirma a gerente de Marketing da empresa, Charys Oliveira.

A explicação para a bonança africana está relacionada à melhora da condução da política econômica, que antes era marcada por altíssimos níveis de inflação, e ao fortalecimento da democracia. ¿Vários países africanos avançaram muito em relação ao Estado de Direito e passaram por reformas fiscais e monetárias importantes. Congo e Angola, por exemplo, conseguirem empréstimos do FMI em 2009 com condicionantes e estão conseguindo cumprir os acordos. Gana também passou por reformas bem-sucedidas¿, afirma a especialista em África Denise Galvão, que é autora do estudo ¿Conflitos armados e recursos naturais: as `novas guerras¿ na África, pela UnB. O fim de conflitos como o de Angola também tornou o ambiente mais estável para investimentos. É este também o caso da Nigéria, em que o governo negociou com 14 mil rebeldes, no ano passado, a estabilização do país.

China A crise internacional acabou fazendo da diversificação uma estratégia importante. ¿A crise afetou mais os países ricos e os investidores estão se voltando para outros países como os africanos e, inclusive, o Brasil. Com isso, eles tomam mais riscos, mas vale a pena¿, afirma Denise. Na opinião da pesquisadora, no entanto, ao optar pela África como mercado as empresas brasileiras precisam estar preparadas para enfrentar a concorrência chinesa. Mas há espaço.

¿De certa forma há uma competição desigual entre chineses e brasileiros. Mas a presença da China na África é criticada porque em alguns casos causa danos ambientais sem considerar questões sociais, sem gerar empregos para os africanos. É um modelo que não é muito saudável em termos de desenvolvimento social. Já as brasileiras tem origem em um país com uma democracia consolidada, com uma cultura de mais responsabilidade social¿, acredita.

Vários países africanos avançaram muito em relação ao estado de direito e passaram por reformas fiscais e monetárias importantes¿

Denise Galvão, pesquisadora especialista em África

O número 16,6% Participação do Egito nas exportações brasileiras para a África

Presença dobrada

Estão em processo de abertura mais duas embaixadas brasileiras na África: uma no Burundi e outra em Serra Leoa. Desde o início do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dobrou o número de representações nacionais no continente, de 17 para 34. Isso é reflexo da política do governo brasileiro de aproximação com os países africanos.

Durante a Cúpula Brasil-União Europeia, na semana passada, o presidente Lula anunciou uma parceria com os europeus para investimentos em uma usina de biocombustíveis em Moçambique. No início do mês, ele esteve na Guiné Equatorial, no Quênia, na Tanzânia, no Zâmbia, na África do Sul e em Cabo Verde onde afirmou ao governo local que pediria à direção da Petrobras que iniciasse conversas com as autoridades cabo-verdianas para fazer prospecção de petróleo nas águas do país.

A Petrobras, que atua no continente desde os anos 1970, concentra suas atividades hoje na costa oeste do continente, especialmente na Nigéria. Mas atua também em Angola, Líbia, Namíbia e Tanzânia, com exploração e produção de petróleo e gás natural.

As atividades das empresas brasileiras vêm se intensificando tanto na África que países como Angola, Moçambique e África do Sul estão entre as prioridades em estudo pelo governo brasileiro para viabilizar um acordo previdenciário segundo o qual o tempo de contribuição dos brasileiros que trabalharem nestes países poderia ser contabilizado no Brasil. (MM)