Título: Novo presidente assumirá sem clima de euforia na economia
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 04/10/2010, Política, p. A3

Quando o novo presidente da República tomar posse, no dia 1º de janeiro, a euforia do crescimento econômico acelerado que marcou o início do ano e acalentou a campanha eleitoral já terá se dissipado. Nos cálculos e prognósticos do governo, a abrupta queda do nível de atividade econômica a partir de abril já trouxe o Produto Interno Bruto (PIB) para um crescimento abaixo do seu potencial. A expectativa, agora, é que neste último trimestre a produção cresça, na margem, algo entre 4% e 4,5%, percentual coerente com o PIB potencial (estimado em 4,5%).

Essa não é uma performance ruim. Embora aquém dos mais de 7% previstos para este exercício, a acomodação da variação do PIB em patamar mais baixo reduz o risco de descasamento entre oferta e demanda e, portanto, de aumento da inflação. Assim, a nova administração do país assume com a economia mais "equilibrada" e o consumo, mais moderado. "Ou seja, sem euforia", nas palavras de importantes representantes do governo Lula.

A desvalorização contínua do dólar frente às principais moedas do mundo é fator de enorme preocupação deste governo e não será diferente no próximo. A atual gestão da área econômica deverá anunciar em breve medidas para frear o ingresso excessivo de dólares no país e a consequente apreciação do real, com aumento da alíquota do IOF sobre operações de câmbio, entre outras iniciativas.

Sabe-se, porém, que esse é um problema que continuará preocupando o próximo governo e o setor privado exportador. Está claro para os economistas oficiais que o Brasil será, nos próximos anos, um dos destinos dos dólares que inundam o mundo. Caberá ao novo presidente evitar que o país perca competitividade frente aos seus parceiros comerciais e que o balanço de pagamentos - resultados das contas externas do país - não se deteriore em elevados déficits em transações correntes. Esse é um enorme desafio.

Diante da desaceleração da taxa de crescimento, a taxa de juros básica (Selic) deve permanecer estável nos atuais 10,75% ao ano por todo o primeiro semestre de 2011. Pode haver eventual pressão inflacionária que exija mais um aumento dos juros. Mas isso, se ocorrer, só é esperado para o segundo semestre do próximo ano.

O que as estatísticas mostram ainda não chegou na casa dos brasileiros. Há razões para isso: o emprego e a massa salarial continuam crescendo, alimentados sobretudo pela construção civil, que absorve imensa quantidade de mão de obra de baixa qualificação, e pelo crescimento da produção da indústria de bens de capital. Esses são, hoje, os dois setores dinâmicos da economia.

Outro fator que pesa na sensação de bem-estar do consumidor é a importação de bens e serviços. Os preços das importações caíram significativamente. Houve uma deflação de mais de 5% nos últimos 12 meses encerrados em agosto, representando uma contribuição relevante para o abastecimento do mercado interno sem pressão adicional sobre os preços.

Os dados da indústria em agosto sancionam a avaliação de que a economia está praticamente parada de abril para cá, à exceção dos dois setores citados. Em agosto, última informação disponível, a produção industrial teve uma pequena queda, de 0,1%, em relação a julho. Na composição desse desempenho apenas o segmento de bens de capital apontou avanço na produção, com crescimento de 1,4%. Os demais, na comparação de agosto contra julho, tiveram comportamento negativo.

A produção industrial deve encerrar o ano em patamar semelhante ao que se encontrava em setembro de 2008, mês em que eclodiu a crise global. Aparentemente, essa seria uma boa notícia, pois naquele período a economia estava bem aquecida. Ocorre, porém, que de lá para cá houve investimentos em ampliação da capacidade instalada, que tende a não ser integralmente ocupada agora.

O aumento de 200 pontos-base da taxa básica de juros (Selic), este ano, só começa a fazer efeito em sua plenitude a partir deste mês, por causa dos seis meses de defasagem entre a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) e seus reflexos na ponta do consumo. O primeiro aumento da Selic foi em abril, de 0,75 ponto percentual. Em junho, houve outra elevação, de 0,75 ponto. Em julho, a última, de 0,5 ponto.

Ao aperto monetário soma-se a retirada dos incentivos fiscais e monetários concedidos no auge da crise de 2008 e retirados em março. Técnicos oficiais alegam que os efeitos da desativação da política anticíclica (que concedeu isenção de impostos e liberou depósitos compulsórios) estão se mostrando mais prolongados do que se imaginava e se arrastam até hoje. Por isso, a desaceleração do crescimento da economia tende a ficar mais nítida a partir de novembro.

Se essas projeções se confirmarem, apenas 200 pontos de aumento da Selic terão sido suficientes para fazer a diferença entre uma economia com excesso de demanda e uma situação de maior equilíbrio com a oferta.

Por essa razão, muito provavelmente, é que o BC colocou na pauta o tema da taxa de juros neutra. Essa taxa, hoje, alega o BC, é bem menor do que os cerca de 7% que o mercado imagina.