Título: Hora de ajuste na estratégia para a disputa do 2º turno
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2010, Opinião, p. A16
Política é como nuvem, dizia o mineiro Magalhães Pinto, da velha UDN, quando os ventos sopravam na direção diferente da prevista, ou quando ele queria que soprassem em outra direção. Eleição, só depois dos votos apurados nas urnas, vaticinava Tancredo Neves, o adversário de Magalhães em Minas, do velho PSD. Os dois queriam dizer a mesma coisa: em eleições, há uma espaço ponderável para o imprevisível. Dizia - e continua dizendo - a cautela mineira que resultado eleitoral, só depois do último voto apurado na última urna.
A nuvem da eleição presidencial formou-se sobre a candidata do PT, Dilma Rousseff, na última semana antes do primeiro turno. Os ventos eleitorais, que sopravam para uma vitória em primeiro turno da candidata, mudaram subitamente. No final da apuração, Dilma tinha 46,8% dos votos válidos - quando chegou a exibir 54% nas pesquisas eleitorais -, o candidato do PSDB, José Serra, obteve 32,6% e Marina Silva, do PV, chegou a 19,3% do total.
Em relação às últimas pesquisas eleitorais, Serra subiu e Dilma caiu em intenções de votos, mas não o suficiente para que a petista perdesse a chance de vencer em primeiro turno. A surpresa não esteve nos dois primeiros colocados, mas em Marina, que conseguiu se impor, do alto de seus quase 20% de votos, como uma alternativa à tendência plebiscitária dos últimos pleitos brasileiros.
Mas não há uma única explicação para um fato político. Marina subiu por várias razões. Nas últimas semanas, foi flagrante a campanha que setores da Igreja Católica e da Igreja Evangélica contra a candidata petista, acusada de defender a descriminalização do aborto. Esse tipo de voto naturalmente tenderia a Marina, que é convictamente contrária ao aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e à adoção de filhos por casais homossexuais. A candidata do PV veio das bases da Igreja Católica, tornou-se evangélica e mantém posições consoantes com sua definição religiosa.
Dilma também pagou o preço das sucessivas denúncias de que sua sucessora na Casa Civil, Erenice Guerra, foi alvo - certamente esses fatos abalaram mais a sua folgada maioria do que as denúncias feitas por Serra de que a campanha da candidata teria quebrado o sigilo bancário de familiares seus e outros tucanos a ele ligados. O ganho do PSDB com esses fatos, no entanto, foi apenas marginal. A maior beneficiada foi mesmo a candidata do PV. Alguns fatos explicam isso. A agressividade da campanha de Serra, na reta final, foi alta o suficiente para aumentar o índice de rejeição do candidato. Ele bateu; Marina levou os votos.
Os dois candidatos que disputarão o segundo turno da eleição presidencial cometeram erros de avaliação e cálculo, e certamente os resultados finais levam ao reconhecimento das falhas de cada um na comunicação com o eleitor. O erro de Dilma foi a excessiva confiança na vitória, senão dela própria, mas da coligação que a apoiou. Somente um descolamento da militância é capaz de justificar o fato de o quartel-general petista não ter percebido a reviravolta que acontecia nas bases, com a ajuda dos movimentos religiosos antiaborto. Houve uma desatenção em relação ao potencial de crescimento de Marina e a segurança de que o "efeito tefal" - o entendimento de que nenhuma denúncia pega no presidente Luiz Inácio Lula da Silva - se estende automaticamente à sua candidata. As denúncias contra a ex-ministra Erenice Guerra, pela proximidade dela a Dilma, foram um complicador relevante.
Da parte da campanha de Serra, parece prevalecer o reconhecimento tardio de que o estilo agressivo e permanentemente acusatório, que retirou da sua campanha as discussões programáticas, surtiram efeito contrário ao planejado. Serra chegou a bater índices de rejeição astronômicos. Não foi a estratégia de campanha do tucano que o levou para o segundo turno, mas o crescimento da candidata do PV. O voluntarismo também não ajudou o tucano, que afastou aliados políticos de um envolvimento mais direto com a campanha. Agora, Serra tem a chance de tentar um trabalho de agregação de aliados eleitos no primeiro turno. Para isso, terá de abrir espaço para os políticos em sua campanha e rever alguns de seus conceitos. Um deles, o da não exposição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em sua campanha. No primeiro turno, FHC foi escondido. Apareceu no horário eleitoral só na campanha de Aloysio Nunes para o Senado. Aloysio se elegeu com votação surpreendente. Pode ser um sinal de que, em São Paulo, o ex-presidente é bom eleitor.