Título: Consultas de Marina para o 2º turno vão além do PV
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 05/10/2010, Especial, p. A18

Marina Silva: "Vou preferir fazer minha manifestação na instância partidária após ouvir os segmentos da sociedade com os quais fiz alianças." Os quase 20 milhões de votos que a senadora Marina Silva registrou na eleição presidencial de domingo revelam a força surpreendente de sua candidatura, mas não têm o mesmo eco no desempenho da legenda que a acolheu, o Partido Verde. O PV não cresceu na mesma proporção. Registrou salto modesto na Câmara - de 13 para 15 deputados federais -, não fez nenhum governador e perdeu sua senadora estelar. É por isto que, agora, a decisão mais disputada do segundo turno - quem Marina deveria apoiar - é uma escolha de foro íntimo, do partido e também de seu eleitorado.

Marina deu pistas da estratégia já no pronunciamento de domingo, quando ficou claro que haveria um segundo turno entre a candidata Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB). Ali ela lançou a ideia de uma plenária para ouvir as "forças vivas" da sociedade e discutir que rumo tomar. "Vamos fazer uma discussão, que sejam ouvidos o Movimento Marina Silva, os intelectuais. Faremos uma plenária para avaliar a nossa posição", disse. "O voto não é de Marina, nem de José Serra, nem da Dilma. O voto, fora da visão patrimonialista das coisas, é do eleitor."

Para quem não está habituado à forma de se expressar da senadora, não ficou clara a mensagem. Ali, ela dizia que não é só a direção do PV quem vai decidir para onde devem migrar seus votos. De maneira cifrada, sinalizou o que hoje é óbvio: a trajetória do PV se divide antes e depois de Marina Silva. "É um eleitorado mais dela do que do PV", analisa um assessor. "Além disso, não teria sentido, agora, começar a negociar cargos da maneira tradicional. A campanha de Marina teve uma proposta diferenciada e continua coerente." Ou seja, ela não assina embaixo das alianças eventuais de membros do PV. Ontem, Fernando Gabeira, candidato ao governo do Rio, manifestou seu apoio a José Serra, no segundo turno. Ao ser questionada sobre o movimento de Gabeira, em concorrida entrevista coletiva, em São Paulo, Marina limitou-se a comentar que a atitude era uma manifestação pessoal dele.

Horas depois da contagem dos votos, a retórica de Marina já havia pulado para uma plataforma concreta. As "forças vivas" já estavam sendo consultadas pelo Movimento Marina Silva, que se formou no início da campanha e tem cerca de 50 mil seguidores que se comunicam ativamente pela internet. Todos receberam um e-mail perguntando que posição sugerem que Marina adote no segundo turno. Às 20h22 de ontem, já havia 2782 respostas no site. Algumas pendiam para Dilma, outras para Serra e muitas indicavam que ela deveria se manter neutra. "Há uma expectativa grande em relação à atitude que vamos ter nesse momento. Ela tem que ser completamente diferente da velha política que se mobiliza pensando em alguma vantagem em termos de futuro", disse Marina aos jornalistas. A senadora descartou a possibilidade de aceitar algum cargo em troca do apoio. "Vou preferir fazer minha manifestação na instância partidária após ouvir os segmentos da sociedade com os quais fiz alianças."

A cobiça pelos 20 milhões de votos de Marina começou antes do final da apuração. Marina recebeu telefonemas de Serra e Dilma. Ambos teriam manifestado o desejo de conversar com a senadora em momento oportuno para discutir o seu apoio, contou Marina. A decisão, no entanto, será tomada dentro de 15 dias e levará em conta a opinião das 20 pessoas que compõem a coordenação do partido, além dos diferentes segmentos da sociedade que aderiram à campanha. "O resultado que tivemos, de aprovação ao projeto meu e do Guilherme [Leal, seu vice na chapa], é muito maior que o nosso partido", observou a senadora durante a coletiva.

Com a declaração, Marina indica ao presidente nacional da legenda, José Luiz Penna, que está em situação favorável para dar as cartas dentro do PV, uma vez que seu apoio se tornou determinante para a eleição do próximo presidente. Há poucos dias, Penna tinha declarado preferência por Serra em um eventual segundo turno. Diplomática, Marina explicou que será iniciado um processo de consulta "aos movimentos sociais, ao empresariado moderno, à juventude, a acadêmicos e trabalhadores" e que, depois, as propostas serão levadas à convenção nacional. "Vou participar da convenção e firmar meu posicionamento. Não tenho posição a priori, mas vou ser coerente com as minhas convicções de que na democracia a gente tem que fazer com que os resultados sejam tão importantes quanto o processo", disse. O apoio, argumentou ela, também está condicionado à capacidade do candidato de aderir as suas plataformas de campanha.

"Sem querer parecer arrogante, não foi exatamente uma surpresa o que aconteceu", analisa o empresário Ricardo Young, candidato ao Senado por São Paulo e que conseguiu 4 milhões de votos. "Isto não começou aqui. O fato novo é que agora o movimento da sustentabilidade ganhou expressão política."