Título: Serra traz aborto para o centro do debate
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2010, Política, p. A7

O candidato do PSDB, José Serra, trouxe para o centro do debate sucessório a questão mais polêmica da reta final do primeiro turno: o aborto. "Nunca disse que sou a favor, porque eu sou contra", sugerindo que a candidata do PT diz ser contra porque é a favor. "Tenho amigos que me acham atrasado, mas tenho meus valores históricos sobre isso e sou contra", declarou. Serra falou sobre o aborto em um longo de discurso num evento de "arregimentação de apoio", realizado em Brasília, que contou com a presença dos candidatos eleitos em 3 de outubro, daqueles que vão disputar o segundo e até dos que perderam, como a governadora Yeda Crusius (RS) e o senador Tasso Jereissati (CE). Dois pemedebistas compareceram: o senador eleito de Santa Catarina, Luiz Henrique, e o senador Jarbas Vasconcelos, que disputou e perdeu o governo de Pernambuco. O PMDB está formalmente coligado com o PT.

Serra ironizou as informações segundo as quais o PT poderia tirar a descriminalização do aborto do programa partidário. Segundo ele, não se pode "enganar" a opinião pública nesses temas. Ao longo do discurso o candidato do PSDB se empenhou em reiterar que tem "uma cara" só e o PT, duas. No trecho em que falou de aborto chegou a deixar a dúvida de que cometera um ato falho. "Nunca disse que sou contra o aborto porque eu sou a favor, ou melhor, nunca disse que sou a favor, porque eu sou contra". Alguns políticos entenderam que ele quis dizer que Dilma diz ser contra a descriminalização do aborto porque, na realidade, seria a favor.

O evento já é parte da estratégia de campanha dos tucanos no segundo turno. Ele deve se concentrar fundamentalmente na mídia eletrônica, segundo contou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Mas cada um dos "eleitos, reeleitos e não eleitos", deve se engajar na campanha. Os governadores já eleitos - Alckmin, Antônio Anastasia (MG) e Beto Richa (PR) - devem conversar com prefeitos de todos os partidos - são prefeitos na metade final de seus mandatos que precisam ter boa relação com o governo estadual.

O senador eleito por Minas Aécio Neves terá um papel especial na campanha de Serra. Ele seria convidado para ser o coordenador da campanha, mas a morte de seu pai, no domingo, desencorajou as conversas políticas, na segunda-feira, quando Serra, Aloysio Nunes Ferreira, senador eleito por São Paulo, foram a Belo Horizonte para o funeral.

Aécio acha que Serra deve politizar mais a campanha. Ontem, ele ainda mostrava-se muito abatido, mas passou vários bilhetes para Serra, enquanto o candidato tucano discursava. "Nossos adversários tentaram dividir o Brasil entre virtuosos e não virtuosos", disse Aécio, quando falou. "Os brasileiros disseram não a essa tentativa".

Serra elogiou particularmente o ex-presidente Itamar Franco, eleito senador por Minas, dizendo que sem ele o então ministro da Fazenda e ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, não poderia ter feito o Plano Real. Antes, Itamar dissera que a campanha do tucano "não precisa esconder ninguém". Disse que Serra precisa ser mais Serra "e menos o que quer o marqueteiro". Só não foi mais aplaudido que o próprio candidato.

Serra fez duras críticas ao comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na campanha eleitoral. Disse que o presidente Itamar Franco não se engajou na eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, e chegou a afastar um dirigente de estatal que fez um uma declaração de apoio ao tucano. Em 2002, FHC teve o mesmo comportamento em relação à sua candidatura e até consultou todos os candidatos sobre um acordo que estava sendo negociado com o FMI.

"O Brasil mudou para pior nesse aspecto", disse Serra. "Uma das primeiras coisas que vamos ter de fazer como presidente, junto com o Congresso, por incrível que pareça, é uma legislação para que se defina a participação do chefe de Estado nas campanhas".

Além do PMDB dissidente, todos os presidentes de partido e governadores do DEM e do PPS participaram do evento tucano. Raimundo Colombo (DEM), eleito governador de Santa Catarina, prometeu uma diferença de 1,5 milhões de votos em Santa Catarina. O clima na coligação oposicionista está mais otimista do que ao final do primeiro turno, mas há uma preocupação grave com o Rio de Janeiro.

Na avaliação da cúpula da campanha tucana, Marina Silva (PV) teve uma grande votação em áreas onde o candidato do partido ao governo, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), não costuma ter um bom desempenho. Mas Serra ontem elogiou várias vezes a candidata do PV, uma "pessoa íntegra".

Serra disse que falou para Marina que talvez ela não tivesse ainda consciência, mas que deu uma grande contribuição à democracia ao ajudar a levar a eleição para o segundo turno.

O governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho (PSDB), que disputa a reeleição em segundo turno, afirmou ontem, ao sair do Palácio do Planalto, onde se reuniu com o presidente, que o peso da presença de Luiz Inácio Lula da Silva na campanha de Dilma Rousseff ainda é preponderante para a vitória da candidata do PT, mas destacou que, nesse segundo turno, José Serra terá a dedicação total de Aécio Neves (MG), Geraldo Alckmin (SP) e Beto Richa (PR). "Eles representam Estados com 1/3 do eleitorado nacional", avaliou. Além disso, segundo disse o tucano, Dilma e Serra encerraram o primeiro turno com espíritos diferentes. "Serra terminou animado e Dilma, desanimada. As tropas refletem esse sentimento dos candidatos".