Título: Com juro alto, país tem menos opções contra real valorizado
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2010, Opinião, p. A14
A algazarra cambial tem tudo para durar por um bom tempo e continuar provocando alta volatilidade nos mercados monetários em todo o mundo. A expectativa de um acordo entre as principais economias no encontro do G-20 em novembro é bastante remota. O principal ator de hoje no cenário global, a China, dá sinais de que não mexerá uma palha para valorizar sua moeda e essa inação traz como consequência a reação de intervenções massivas no câmbio em vários países.
A intervenção japonesa, feita anteontem para deter a valorização do iene, foi apenas uma delas, mais abrangente por estar atrelada a uma política de afrouxamento quantitativo, com taxa de juros zero. Mas ontem o dólar voltou a cair em relação ao iene, em meio a ações dos bancos centrais da Tailândia, Filipinas, Malásia, Coreia do Sul e Taiwan. A necessidade das intervenções é mais urgente nos países asiáticos, já que todos eles estão hoje integrados na engrenagem produtiva chinesa, como fornecedores e como competidores da China no mercado mundial.
O pano de fundo da valorização das moedas é a derrocada do dólar, inevitável para o ajuste dos déficits em conta corrente dos EUA, e a rigidez da moeda da China, que desde a crise segue a trajetória do dólar. Sem o ajuste chinês, e com o dólar necessariamente em baixa, não há outra forma de os exportadores dos países do resto do mundo manterem suas posições competitivas sem entrar na dança agora contínua das interferências nos mercados cambiais. Os ajustes de que a economia mundial necessita ficam, assim, travados, enquanto as incertezas crescem.
Há, porém, que distinguir entre as intervenções. A política chinesa é clara e visa manter sua supremacia competitiva, mesmo à custa do acúmulo de US$ 2,6 trilhões em reservas internacionais, praticamente a metade de seu Produto Interno Bruto (PIB). O governo chinês evita os males da esterilização dos dólares por meio do lançamento de títulos públicos com compra compulsória pelos bancos estatais, a juros discricionários e baixos. Há poucas coisas que possam demover a China dessa zona de conforto, salvo uma forte onda protecionista coordenada nos países desenvolvidos. Os EUA começaram a se mover nessa direção.
Para os países sem superávit em conta corrente ou com déficits, a intervenção cambial, se é de guerra que se trata, é eminentemente defensiva. Não há outra coisa a fazer no caso de valorizações substanciais, na casa dos dois dígitos, como ocorre com o iene, o baht tailandês, a rúpia indiana e uma série de outras moedas. A capacidade de defesa depende em boa parte do custo da operação e de seus efeitos. Com juros internos baixos, vários países asiáticos podem fazer grandes intervenções, como é o caso da Coreia do Sul, cujas reservas chegaram em setembro a US$ 290 bilhões.
O Brasil, porém, não se encontra nessa situação e tem pouca margem de manobra. Teria de qualquer forma, porque o problema da desvalorização do dólar é um problema global. Mas os juros brasileiros, no panorama mundial, são uma excentricidade. A política de acumular reservas é cara e os juros internos precisariam cair e, por vários motivos, não podem. Cortá-los drasticamente de uma hora para outra poderia desarrumar a economia, que hoje caminha em ritmo veloz. Na ausência da política monetária, a política fiscal deveria entrar em campo, com a contenção dos gastos públicos, para abrir espaços para a diminuição dos juros. Essa política não dá resultados imediatos e poderia ampliar o poder de fogo cambial brasileiro no médio prazo, o que é relevante.
Diante de ótimas perspectivas econômicas para a década, o governo brasileiro não tem armas eficazes para impedir a valorização, salvo taxação pesada do ingresso de capitais e restrições administrativas a ele. Capitalizar o Fundo Soberano é uma brincadeira inútil porque a fonte dos recursos é a mesma e tem o mesmo custo. Um Fundo Soberano poderia dar um auxílio vital agora, ao acumular recursos para o futuro com a compra de divisas, mas eles só têm esse papel em países que têm superávits nominais, isto é, receitas fiscais mais que suficientes para pagar os juros. É possível tourear a entrada de capitais de curto prazo, mas os desequilíbrios verdadeiros não são apenas externos à economia brasileira, mas também internos.