Título: Líder antiaborto pediu votos para Marina
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 07/10/2010, Especial, p. A16
Maria das Dores Hipólito Pires, a Dóris, é conhecida na Baixada Fluminense pelo trabalho de assistência a gestantes e a mulheres vítimas de violência doméstica. Nestas eleições, ela empenhou-se contra o aborto e antes do primeiro turno distribuiu 20 mil panfletos, enquanto pedia votos para a candidata do PV à Presidência, Marina Silva. A espécie de santinho divulgado por Dóris traz no título o 3º Programa Nacional dos Direitos Humanos do governo federal, mostra que o programa foi aprovado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e indica que ele traduz o compromisso da candidata do PT, Dilma Rousseff, se eleita. "Legalização do aborto até os nove meses de gestação, regulamentação da prostituição, liberalização do uso da maconha, censura dos meios de comunicação e aprovação de invasão de terras e propriedades urbanas e rurais", estão enumerados no folheto, que contém o endereço eletrônico da líder comunitária para "maiores informações". O texto traz ainda que fazem parte do programa político do PT o "casamento entre pessoas do mesmo sexo", a "adoção de crianças por casais homossexuais" e a "proibição dos os símbolos religiosos". Os folhetos de Dóris multiplicaram-se com apoio de militantes contra o aborto, que imprimiram ou enviaram o texto pela internet, a exemplo de centenas de outros textos com teor semelhante que circulam nas ruas e em redes sociais virtuais.
Na Baixada Fluminense, onde líder comunitária atua, Marina ficou em segundo lugar, com 31,02% dos votos, atrás de Dilma, com 50,38%, mas à frente de José Serra (PSDB), com 16,78%. Na tentativa de captar os votos de Marina e ampliar sua margem de votação sobre Serra, Dilma escolheu a região para iniciar ontem a campanha no segundo turno.
A petista, no entanto, pode sofrer resistência no reduto em que a influência católica e evangélica é forte. "Marina foi a única que colocava a questão do aborto para ser decidida em plebiscito, de acordo com a vontade popular", diz Dóris. "Assim como a Dilma, o Serra diz que o aborto é questão de saúde pública. Se mudar de posição agora vai ser por conveniência", declara. No segundo turno, a líder comunitária afirma que não defenderá nem PT nem PSDB, porque o tucano também não é contra o aborto. Ela cita uma norma técnica assinada por Serra em 1998, quando ele era ministro da Saúde, que permite o aborto seja realizado pelo SUS em casos permitidos por lei: estupro e quando há risco de a gestante morrer.
Fundadora da Associação Nacional Mulheres pela Vida, Dóris continuará a divulgar os folhetos contra Dilma. A pedagoga de 49 anos, casada, mãe de dois filhos, diz que começou a "militar" contra o aborto quando era professora da rede pública. "Via muitas meninas de 15 anos fazendo aborto", conta. No início dos anos 90, começou a fazer um trabalho de conscientização em escolas sobre educação sexual e defendia a abstinência sexual às crianças e jovens. "Naquela época não tinha uma política pública de contracepção. Falávamos para os jovens não ter relação sexual, mas os que decidiam por exercer sua sexualidade nós ensinávamos a fazer o planejamento familiar". Junto com outras professoras, Dóris fundou a associação e mantém casas para acolher grávidas, vítimas de violência e crianças. Católica, a líder comunitária ressalta que a entidade que fundou não está vinculada a nenhum partido político nem a religião. "Temos espíritas, batistas e evangélicas."
Também auto-intitulado suprapartidário e suprarreligioso, o Movimento Nacional da Cidadania Pela Vida - Brasil Sem Aborto cobrou dos candidatos durante a campanha eleitoral o compromisso de vetar projetos de lei que permitam a realização do aborto. Segundo o movimento, 140 candidatos assinaram o compromisso, que foi registrado em cartório. Nenhum dos postulantes à Presidência assinou o compromisso, apenas o vice de Serra, Indio da Costa.
O movimento, no entanto, direcionou suas críticas à candidata do PT e questiona tanto a posição do partido sobre o aborto quanto a de Dilma. "Ela usa uma linguagem genérica ao defender a valorização da vida", diz Lenise Garcia, presidente do movimento. "Os dois candidatos precisam se posicionar de uma maneira clara sobre o aborto, mas vejo que Serra não defende mudanças na legislação para aumentar os casos que permitam o aborto. Já o PT se mostrou a favor da legalização", diz Lenise.
Católica, ligada à Opus Dei, Lenise tem 54 anos, é professora do Departamento de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) e integra a comissão de bioética da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O vice presidente, Jaime Ferreira Lopes, é chefe de gabinete do deputado Luiz Bassuma (PV), que saiu do PT por discordar da visão do partido sobre o aborto.
O movimento, segundo Lenise, fez 11 marchas contra o aborto e em cada uma reuniu cerca de 5 mil pessoas, em Recife, Brasília, São Paulo e em Goiânia. O grupo formou-se em 2006 para impedir a votação no Congresso de projetos que permitam o aborto.