Título: PT retoma comparação de governos para tirar foco da religião
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2010, Política, p. A6

O PT quer fugir do debate sobre a descriminalização do aborto e concentrar as discussões nos avanços sociais e econômicos do governo Luiz Inácio Lula da Silva em comparação com os oito anos da gestão Fernando Henrique Cardoso. Para o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra (SE), é ruim para o Brasil que a principal questão do segundo turno seja a legalização do aborto. "O Brasil é um país livre, democrático, que se caracteriza pela liberdade individual e religiosa e esta questão [aborto] não faz parte das atribuições do Poder Executivo", declarou Dutra, após reunião da Executiva Nacional do PT, em Brasília, para avaliar as eleições.

O partido elaborou uma resolução, que seria levada ainda ontem aos demais partidos da coligação que apoia Dilma, definindo que o programa de governo da candidata será apresentado na próxima semana, depois do feriado de 12 de outubro. "O documento vai reforçar as liberdades individuais, de imprensa e o Estado laico", disse Dutra, garantindo que nunca esteve entre as diretrizes programáticas de Dilma ou do PT a legalização do aborto. "Aliás, as posições de Dilma e de Serra são exatamente idênticas: ambos admitem o aborto apenas no casos já previstos em lei", declarou o presidente nacional do PT.

O PT também pedirá à Polícia Federal que investigue o autor de um panfleto apócrifo, distribuído durante o encontro de José Serra com aliados em um Hotel de Brasília, na quarta-feira. Nele, afirma-se que um governo Dilma defenderia a legalização do aborto, da prostituição, o fim do direito à propriedade privada e a perseguição aos cristãos.

Dutra afirmou que é o momento de discutir questões programáticas. Ele questionou, por exemplo, se o candidato do PSDB confirmará uma declaração de David Zylbersztajn, ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP) de que, em um eventual governo tucano, Serra trocará o modelo de partilha pelo de concessão. "Ou que o Bolsa Família é de fato um bolsa esmola, como repetiu diversas vezes líderes da oposição". O presidente do PT afirmou ainda "que está adorando a inclusão do debate sobre as privatizações, a exemplo do que ocorreu na campanha presidencial de 2006".

Aliados reclamaram da divulgação tardia do programa de governo. Políticos que acompanharam de perto esse debate confirmaram que o documento está pronto há mais tempo, mas que "um luminar qualquer disse que não era o momento de apresenta-lo". Para um dirigente da coalizão pró-Dilma, essa estratégia foi um fracasso. "Agora tudo o que apresentarmos parecerá uma resposta às críticas", resumiu.

Para um dirigente partidário ouvido pelo Valor, a campanha de Dilma está caindo em armadilhas nesse debate religioso. Não apenas na questão do aborto, mas todo o diálogo com esses setores está equivocado. Citou, por exemplo, a ida de Dilma ao debate dos presidenciáveis promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ela participou do encontro, no dia 23 de setembro, já pressionada pelos boatos de que seria favorável ao aborto. "Plínio [de Arruda Sampaio, do PSOL] disse que trouxe a Igreja para o Brasil; Serra afirmou que foi da Juventude Católica; Marina era pentecostal. E Dilma? Ficou taxada como católica de boca de urna", lamentou o aliado.

Durante o encontro da Executiva, os petistas avaliaram que, além do aborto, o escândalo da Casa Civil que resultou na demissão de Erenice Guerra, a quebra dos sigilos fiscais de dirigentes do PSDB e os ataques à mídia também contribuíram para que a eleição não fosse decidida em primeiro turno. Dutra admitiu ainda que a excessiva centralização do comando da campanha na mão de alguns integrantes do PT também prejudicou o desempenho de Dilma. "Estamos resolvendo isso, trazendo para a coordenação aliados como Ciro Gomes (PSB) e Moreira Franco (PMDB). Queremos mobilizar a militância para assegurar a vitória nesse segundo turno", disse Dutra.