Título: Crítico da esquerda na AL, Vargas Llosa ganha Nobel
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/10/2010, Especial, p. A12

O escritor peruano Mario Vargas Llosa, um dos romancistas de língua espanhola mais aclamados do mundo e ex-candidato à Presidência em seu país, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2010.

A longa lista de obras de Vargas Llosa vai de romances a ensaios e crítica literária, incluindo "A Cidade e os Cachorros" e "A Casa Verde". Ele é o primeiro peruano a ganhar o prestigioso prêmio e o primeiro sul-americano desde Gabriel García Márquez, em 1982.

"Neste caso, o Nobel não apenas é um reconhecimento ao trabalho do escritor, mas, ao mesmo tempo, da língua espanhola", disse o autor de 74 anos, em entrevista coletiva em Nova York. "É também um reconhecimento da importância da literatura da América Latina."

Nascido em Arequipa, no sul do Peru, em 1936, Vargas Llosa concorreu à Presidência em 1990, perdendo para o ex-presidente Alberto Fujimori, que hoje está preso. Em entrevista transmitida ao vivo, Alan García, presidente do Peru, disse: "Este é um ato maravilhoso. Um ato de enorme justiça. Ele é um criador extraordinário da linguagem. Ele é um peruano universal."

"Ele é um ponto de referência para todos aqueles que defenderam a liberdade na América Latina", complementou Carlos Alberto Montaner, escritor cubano exilado. "E agora com o Prêmio Nobel, a voz dele terá muito mais peso."

Vargas Llosa é uma figura incomum na América Latina, onde a vasta maioria dos escritores e intelectuais muitas vezes se embriaga pela retórica revolucionária esquerdista. Ele é um defensor implacável do livre mercado e da democracia e crítico mordaz do autoritarismo em todos os seus disfarces, especialmente a nova vertente populista personificada pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que desafiou Vargas Llosa para um debate e depois voltou atrás.

A Academia Sueca, ao anunciar em Estocolmo o prêmio de 10 milhões de coroas (US$ 1,5 milhão), elogiou o autor "por sua cartografia de estruturas de poder e suas mordazes imagens da resistência individual, revolta e derrota".

Recentemente, o prêmio vinha sendo dado a autores ligados à Europa: nos últimos cinco ano, quatro europeus e um turco ganharam. No ano passado, a romancista romena nacionalizada alemã Herta Muller foi a premiada.

Vargas Llosa disse que o prêmio foi uma "surpresa total", embora há muito tempo seja considerado um forte candidato. Numa viagem ao Iraque, em 2003, usou esse fato quando seu comboio foi parado na fronteira, de acordo com um repórter do "The Wall Street Journal" que estava viajando com ele. "Você sabe quem eu sou?", perguntou a um tenente-coronel jordaniano. "Por três vezes eu fiquei entre os principais candidatos ao Nobel."

"Mas não ganhou, não é?", respondeu o tenente-coronel. "Não se preocupe, mesmo para alguém que não ganhou, nós podemos fazer arranjos." Esses "arranjos" representaram horas de espera.

Nascido em uma família de classe média, Vargas Llosa se tornou jornalista em jornais locais e começou a escrever ficção na adolescência. Na mesma época, aos 19 anos, casou-se com uma parente, Julia Urquidi, que era 13 anos mais velha que ele, mas o casamento terminou. Mais tarde, casou-se com uma prima de primeiro grau, Patricia Llosa. Eles têm três filhos.

Sua primeira coleção de contos "Os Chefes", foi publicada em 1959. Quatro anos mais tarde, seu romance político "A Cidade e os Cachorros" criou alvoroço e cópias foram queimadas por militares peruanos. "O Peixe na Água", suas memórias sobre concorrer à presidência do Peru, saiu em 1993.

Vargas Llosa também se envolveu profundamente em política desde muito cedo. Ele foi um dos que no início apoiaram as causas socialistas, especialmente a Revolução Cubana, mas acabou desiludido com Cuba. Ele rompeu com Havana em 1971 por causa do que ficou conhecido como o Caso Padilla - a breve prisão do poeta cubano Heberto Padilla, que foi obrigado, de maneira stalinista, a fazer uma autocrítica de sua própria poesia. Depois, Vargas Llosa se tornou conhecido por sua defesa do livre mercado e da democracia.

Em especial, ele tem sido o yin para o yang García Márquez. Vargas Llosa se referiu acidamente ao colombiano, que ainda é amigo de Fidel Castro, como "cortesão de Castro". A amizade deles teve um fim espetacular em 1976, quando, na estreia de um filme na Cidade do México, Vargas Llosa cumprimentou García Márquez com um soco de direita que derrubou o escritor colombiano no tapete vermelho e o deixou com o nariz sangrando e o olho roxo. Os dois autores nunca discutiram a briga pública, estimulando uma especula-ção sem fim sobre os seus motivos.

O autor liderou a luta contra a tentativa fracassada de Alan García de estatizar os bancos peruanos no fim dos anos 80. Nos anos 90, ele comandou uma coalizão de centro-direita nas eleições presidenciais. Vargas Llosa disse que sua derrota teve o efeito benéfico de permitir que ele se dedicasse novamente à escrita em tempo integral.

Desde então, ele tem sido um crítico constante de regimes autoritários no mundo e um defensor do capitalismo, o que já o colocou em uma posição difícil com muitos na intelectualidade da America Latina que ainda têm uma queda por Cuba e uma forte aversão ao capitalismo. "Eles o consideram politicamente incorreto", diz Jorge Castañeda, escritor e ex-ministro de Relações Exteriores do México.

Vargas Llosa, numa ocasião, descreveu o México, em sete décadas de contínuo controle do partido PRI, como a "ditadura perfeita" por sua habilidade de mudar presidentes sempre mantendo o mesmo partido no poder. Ele vem condenando as políticas da Venezuela socialista de Chávez, a quem acusou de criar estruturas ditatoriais.

"Ele é muito ativo, lutando uma boa luta", diz Castañeda. "É uma coisa diferente ir a Caracas e criticar Chávez do que é criticar [George W.] Bush. Ele não tem medo de entrar na toca do leão - e esta é uma toca de leão complicada."

O autor, que está passando este semestre como professor visitante do Programa de Estudos Latino Americanos da Universidade de Princeton, nos EUA, disse que seu trabalho político tem sido uma obrigação moral, mas sugeriu que sua verdadeira paixão é escrever.

"Eu sou um escritor e gostaria de ser lembrado, se for lembrado, pela minha escrita e meu trabalho", disse ele na coletiva ontem.