Título: Ação de BCs no câmbio tem fôlego curto
Autor: Uchôa , Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 19/10/2010, Finanças, p. C3

Em meio ao fluxo avassalador de recursos que invade principalmente economias emergentes, os bancos centrais de diversos países têm reforçado as ações para conter a valorização de suas moedas. Mas, até aqui, tudo o que foi feito teve efeito limitado. A intervenção no câmbio, por meio da compra de dólares diretamente do mercado, já é prática comum entre grande parte das economias que veem suas moedas ganharem valor frente ao dólar e, consequentemente, a competitividade de seus produtos diminuir. Alguns países também partiram para o controle de capitais, arma que, na avaliação de especialistas, deve ser ainda mais usada na chamada guerra cambial. Toda a artilharia, entretanto, tem se mostrado pouco eficiente para conter a pressão de valorização das moedas.

Na América Latina, o Brasil não está sozinho nos esforços para conter a valorização do real. Colômbia, Chile e Peru estão entre os recordistas em valorização de moedas neste ano. Eles sofrem pressão cada vez maior de seus setores produtivos e, por isso, intervêm em seus mercados cambiais ou estudam medidas para conter essas variações históricas. Os presidentes desses países adotaram discursos "preocupados" com a situação, mas diferem bastante no modo como lidam com o problema. Entretanto, todos refutam, pelo menos de imediato, criar novos impostos sobre investimentos.

O Chile fala em mais "abertura para que os chilenos invistam no exterior", enquanto Colômbia e Peru compram dólares e adotam certas restrições à entrada de moeda estrangeira. O peso colombiano registrou uma valorização de 13% neste ano; o chileno, de 5,5%; e o sol peruano, de 3,6%.

O presidente do Chile, Sebastián Piñera, disse estar muito alarmado, "porque alguns setores, principalmente o setor agrícola, estão realmente sofrendo muito".

Piñera afirmou que não pretende tomar medidas como a instituição de imposto no estilo do IOF do Brasil. "Estamos pensando em outras medidas, como fortalecer a abertura da conta de capitais. Isso permitirá mais investimento chileno no exterior e porá certa pressão sobre a demanda de divisas, melhorando nosso tipo de câmbio", disse ele, em Londres, onde se reuniu com investidores internacionais.

Na Colômbia, o presidente Juan Manuel Santos Santos restringiu a entrada de dólares na semana passada, ao anunciar que depositaria no exterior US$ 1,4 bilhão de dividendos que a Ecopetrol, estatal de petróleo do país, paga ao governo.

O governo diz estar estudando medidas "inovadoras", como permitir o investimento estrangeiro por meio de empréstimos diretos em peso no país, evitando assim a entrada de mais dólares.

Santos vem pedindo "ousadia" ao Banco Central para segurar a variação do peso. Na semana passada, ele convidou figuras como Domingo Cavallo, ex-ministro da Economia da Argentina, e Pedro Pablo Kuczynski, ex-premiê do Peru, para um encontro em que discutiria ideias novas.

Economistas mostraram dúvidas quanto à eficácia das medidas tomadas até agora. Segundo Gonzalo Palau, professor de economia da Universidade do Rosário, de Bogotá, "[o que se fez até agora no país] foi um paliativo para um problema mundial, que é o mar de dólares que vem circulando por aí. E a Colômbia está passando por uma fase excepcional de exportações de minerais, o que necessariamente vai acabar afetando o câmbio".

No Peru, o governo adotou uma política de aumento da intervenção. No ano passado, o Banco Central comprou US$ 107 milhões a mais do que vendeu. Neste ano, a ministra das Finanças do Peru , Mercedes Araoz, disse que o país pode comprar até US$ 500 milhões até o final do ano para segurar a variação de sua moeda, o sol . "O Ministério das Finanças e o Banco Central não têm como papel o controle cambial. Nosso objetivo é evitar flutuações drásticas."

O BC peruano aumentou o limite das reservas três vezes desde junho, para tentar evitar a valorização excessiva da moeda.

"A valorização do sol dá a impressão de que é uma moeda saudável, mas ela vem deixando doentes os setores produtivos peruanos", disse ao Valor recentemente Guido Pennano, economista que foi ministro da Indústria durante o governo de Alberto Fujimori (1990-2000). "Se temos uma inflação de 3% ao ano, deveria haver uma desvalorização, e não uma valorização. Se a moeda não se desvaloriza, isso não é necessariamente bom: com pouca inflação, acabamos favorecendo os produtos importados."

No resto da América andina, há situações peculiares. A Venezuela mantém câmbios fixos - um para a compra de gêneros essenciais e outro para outros produtos. O Equador tem uma economia dolarizada desde o começo da década, o que o protege de variações cambiais.

A China, o Japão e a Coreia do Sul intervêm diretamente no mercado. A Suíça teve que fazer isso também para tentar frear a valorização do franco. Enquanto isso, na outra ponta do movimento, os EUA e a Grã-Bretanha colocam mais dinheiro em suas economias. Outros países começam a adotar controle de capital.

Na Ásia, a maioria dos BCs acelerou as intervenções, comprando dólares para frear a alta de suas moedas. Essas ações aumentaram em mais de US$ 250 bilhões as reservas internacionais de países asiáticos no ultimo trimestre, sendo US$ 120 bilhões apenas em setembro. A China intervém comprando US$ 1 bilhão diários, em média, para manter o yuan desvalorizado. A Coreia do Sul estima que o won precisa enfraquecer pelo menos 10% para ter a mesma competitividade de concorrentes na região. O resultado é que o dólar caiu 12,8% contra o iene japonês este ano, mas apenas 4,8% contra o won da Coreia do Sul. Tóquio se irrita com os coreanos, pois sua indústria perde competitividade no mercado de automóveis, siderúrgico, de navios e eletrônicos.

Com as fortes intervenções, a moeda de Taiwan continua desvalorizada em 22,4%, de Hong Kong em 14,7% e das Filipinas em 12,2%, calculado pelo modelo de taxa de equilíbrio real do câmbio, da Nomura Securities, de Nova York. Pelo modelo da instituição, África do Sul, Turquia e Brasil têm as moedas mais valorizadas.

Mas a expectativa de enorme liquidez, com o afrouxamento monetário americano e queda recorde do dólar, abre caminho para algum tipo de controle de capital - ainda que o resultado desse instrumento até aqui venha mostrando-se pobre na Ásia.

A Tailândia voltou a impor taxa de 15% sobre investimentos de estrangeiros em títulos públicos, alarmado com a alta de 11% na sua moeda este ano, depois que um primeiro controle há alguns meses não funcionou. Coreia do Sul, Indonésia e Taiwan são apontados como candidatos mais fortes a fazer isso, embora as pressões políticas cresçam para os países da região permitirem a apreciação de suas moedas.

O presidente do Banco Central da Coreia do Sul, Kim Choong-soo, defendeu como primeiro passo medidas regulatórias em vez de controle direto, notando que "a volatilidade no mercado de câmbio é uma questão séria que afeta a estabilidade da economia como um todo".

Analistas duvidam de medidas iminentes nas Filipinas, onde o governo tenta recuperar investimentos. A Malásia está em clara direção de liberalização, enquanto Cingapura e Hong Kong são baseados no livre movimento de capitais.

Cingapura, na verdade, forçou a apreciação de sua moeda, temendo a inflação. No Pacífico, o dólar australiano alcançou sua mais forte valorização em 28 anos, elevando temores entre seus exportadores e questionamentos sobre o que fazer pelo governo.

Na contramão, a Rússia, que também administra fortemente o rublo, desvalorizado em 30%, fez intervenções recentemente para comprar sua própria moeda.

A África do Sul é vista como outra forte candidata a controlar capital, segundo a Nomura. Já a Índia enfrenta problemas com seu déficit em conta corrente e está mais inclinado a fazer intervenções para prevenir a valorização da rúpia.

(Com agências internacionais)