Título: A oxigenação do Senado
Autor: Bittar , Rosângela
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2010, Política, p. A6
O Senado Federal passará por uma mudança quantitativa, como todo mundo já sabe, reduzindo-se a representação dos partidos que são oposição e ampliando-se a bancada do governo Lula, resultado de uma tarefa a que o presidente se dedicou com obsessão, declaradamente para vingar a derrubada do imposto do cheque pelos parlamentares de oposição da Legislatura em vigor. Esse é um dos fatos de maior destaque produzidos nas urnas de 3 de outubro, embora, isto só se saberá nas urnas de 31 de outubro, não seja possível ainda dizer quais partidos serão governo e quais ficarão na oposição na próxima Legislatura .
O que vai surgindo a partir de agora, quando os eleitos começam a expor suas ideias fora das amarras da campanha eleitoral, porém, diz respeito menos aos números que à substância, à qualidade. E aqui se nota que, tanto o governo como a oposição, podem elevar sua estatura política na Casa.
Ainda há no Senado, com mandatos de mais quatro anos, e para lá voltarão saídos da atual disputa, fichas de todos os matizes, muitas vitoriosas ao conseguir driblar os rigores dos tribunais, protagonistas de escândalos recentes, embarcados na nau governista de força renovada pelo vento Lula.
Há eleitos preparados para o novo ofício
Mas, é também fato, há uma oxigenação qualitativa do Senado. Gleisi Hoffmann, do PT parananse, elegeu-se com 3.196.468 votos (29,50%) anunciando ao eleitor sua expectativa sobre o exercício do mandato de senadora. Eis uma síntese da missão que acredita ter recebido: "O Senado é um espaço importante para a definição de diretrizes da macroeconomia, para revisão do sistema tributário, para as questões de gestão e para o equilíbrio federativo", resume. Para a senadora eleita, o Senado de hoje está muito parecido com a Câmara. Ela não diz mas é no mau sentido: o debate mais quente, a prática do oposicionismo sistemático, do governismo automático. Embora não pense abdicar de participar de discussões e propostas legislativas, esta não é sua experiência nem o que acredita ser a sua nova função.
"Minha expectativa é atuar como senadora não deixando de apresentar projetos de lei , de fazer debates de temas que acho relevantes, mas também entender que o Senado é espaço de construção de pontes entre o Estado federado, a União, e as relações de governabilidade econômica e social do país".
Para Gleisi, o Senado é um poder moderador, mediador, aglutinador, e está em suas mãos, com o instrumento da interlocução com os Estados, fazer a revisão do sistema tributário.
O senador eleito por São Paulo, Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB, mostrou, numa entrevista concedida na noite de segunda-feira, ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, as credenciais com que chega para exercer o mandato e o fez de forma competente. O que foi ali apresentado indica que não só preparou uma estratégia detalhada para ter êxito na eleição - recebeu 11.189.168 votos (30,42%) - como está planejando com atenção o exercício do mandato.
Aloysio diz que estruturou sua campanha com duas preocupações: por ser desconhecido, precisava apresentar-se, mostrar a que time pertence, o que já fez na política, os cargos e mandatos que já exerceu. E esta foi a razão pela qual exibiu, para surpresa dos adversários que imaginavam usar a vinculação como propaganda negativa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, presidente de honra do seu partido e chefe do governo do qual foi ministro. A segunda era articular uma rede de apoios nos municípios, com prefeitos, vereadores, cabos eleitorais, para produzir a multiplicação de sua candidatura pelo interior.
Aloysio, que mostrou-se preparado para responder a todas as questões políticas que lhe foram propostas na entrevista, revelou-se afiado também na concepção do exercício do seu mandato. Das atribuições do Senado que lhe despertam mais o interesse destacou duas: a aprovação de integrantes das agências reguladoras e de membros do Supremo Tribunal Federal, para o que acha deveriam os senadores exercer melhor sua atribuição de sabatinar e discernir sobre a competência do indicado e não fugir ao debate, como fazem hoje; e a questão federativa, com melhor redistribuição de recursos e encargos entre União, Estados e municípios.
O senador eleito por São Paulo está bem informado sobre suas novas tarefas: pinçou, na parafernália de medidas, projetos de lei, iniciativas em geral que tramitam na Casa, uma, considerada fundamental para o equilíbrio da federação que pode ser, também, como lembrou na entrevista, o fio condutor da reforma tributária.
É o projeto de revisão da distribuição do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal. O Supremo Tribunal Federal derrubou, em fevereiro deste ano, parte da lei que fixa as cotas de rateio do Fundo, comentando, já à época, que a decisão, tomada em análise de ações de inconstitucionalidade apresentadas por Estados que se consideram prejudicados seria o início de realização da reforma tributária.
Pela decisão, o Fundo será extinto até 31 de dezembro de 2012 se o Congresso não aprovar uma nova lei determinando novos critérios para a divisão de verbas entre os Estados e o DF. Os critérios em vigor, como citou o senador eleito, dão a São Paulo, por exemplo, apenas 1% dos recursos. "Essa é a contribuição que vamos dar para a reforma tributária", afirmou o relator do processo no Supremo, ministro Gilmar Mendes, em fevereiro deste ano, já consolidando a ideia agora reapresentada por Aloysio.
Mendes disse, na ocasião, que o Fundo de Participação tem caráter redistributivo e seu objetivo é justamente o de compensar Estados que recebem menos através de tributos, mas tanto o Supremo quanto os Estados há muito consideram essa divisão desatualizada. Foi regulada por lei complementar número 62, de 1989, que deveria vigorar apenas pelos dois anos seguintes e está aí até hoje.
O senador eleito por São Paulo já tem na ponta da agenda este projeto que considera, e é, uma tarefa fundamental do seu mandato.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras