Título: A hora de enfrentar a reforma previdenciária
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/10/2010, Opinião, p. A12

A França está em chamas. Com uma escalada de manifestações e paralisações, parte da população francesa demonstra rejeição a mudanças nas regras para aposentadoria. A proposta do governo de centro-direita de Nicolas Sarkozy, que pode ser votada pelo Senado hoje, é elevar de 60 anos para 62 anos a idade mínima para aposentadoria e de 65 anos para 67 anos a idade para a aposentadoria integral. O tempo mínimo de contribuição para a aposentadoria também será ampliado em um ano, para 41 anos e meio.

Com a medida, o governo francês pretende corrigir o grave desequilíbrio fiscal que os gastos previdenciários estão causando. O governo precisa se endividar para pagar os benefícios de 10% dos 15 milhões de pensionistas franceses. O déficit público francês vai chegar perto de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e o país se comprometeu a reduzi-lo a 3% em 2013 dentro das negociações da União Europeia para enfrentar a crise.

A França não é o único país abatido pelos gastos crescentes com a previdência da sua população e têm o mesmo problema não só países europeus que cultivaram os princípios do Estado do bem-estar social, após a Segunda Guerra Mundial. O Japão acaba de elevar de 60 para 65 anos a idade mínima para aposentadoria a partir de 2013. O novo governo conservador inglês planeja elevar a idade mínima para aposentadoria masculina de 65 para 66 anos a partir de 2016, e a das mulheres, de 60 para 65 anos gradualmente até 2020; na Alemanha, vai de 63 para 67 anos; e na Espanha, de 65 para 67 anos.

A crise internacional agudizou os desequilíbrios previdenciários com a recessão, desemprego e queda das receitas tributárias. Alguma melhoria poderia ser obtida se fosse possível elevar a carga tributária ou se muitos novos participantes entrassem no mercado de trabalho, duas coisas altamente improváveis nas condições atuais. Simplesmente são raras as novas contratações. Os 32 países mais ricos da Organização de Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OCDE) perderam 17 milhões de empregos.

Assim como o Japão e a Inglaterra, a França espera equilibrar o sistema previdenciário com a elevação da idade para a aposentadoria. Pode ser. Mas, o pano de fundo dessa dinâmica é demográfico e talvez nem a melhora das condições macroeconômicas possa evitar mudanças nas regras da aposentadoria.

A realidade é que as pessoas estão vivendo mais tempo e, prevalecendo as regras anteriores, acabam se aposentando quando ainda têm muitos anos de vida pela frente, gozando mais tempo de benefício do que os aposentados há uma ou duas décadas. Além disso, a taxa de natalidade está caindo abaixo do nível considerado de reposição, sinalizando menos força de trabalho à frente para bancar a aposentadoria dos mais velhos. Dados das Nações Unidas mostram que a população mundial com mais de 65 anos vai mais do que dobrar em 2050, passando dos atuais 7,6% para 16,2% da população mundial, batalhão de 1 bilhão de pessoas. Isso traz outras implicações além das previdenciárias, como gastos com cuidados de saúde, que também pressionam os orçamentos governamentais. Estudo da agência de rating Standard & Poor"s (S&P) indica que os gastos com previdência e cuidados dos idosos vão crescer de 14,2% para 22% do PIB global até 2050 com o envelhecimento da população.

No caso do Brasil, a S&P prevê o aumento de 13,6% para 25,9% do PIB nos próximos 40 anos. E há ainda peculiaridades que tornam a situação mais difícil, como as regras especiais que garantem aposentadoria integral pelo valor dos salários da ativa para os funcionários públicos. No primeiro semestre, o déficit da previdência dos funcionários públicos, que atende 938 mil pessoas, foi de R$ 25,1 bilhões. Já o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), conhecido como Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), que abrange 27,5 milhões de pessoas, foi de R$ 22,6 bilhões. O benefício médio do INSS é de R$ 864 e o dos funcionários públicos, R$ 6 mil.

O presidente Lula, em seu primeiro mandato, encaminhou emenda ao Legislativo igualando o reajuste dos benefícios dos funcionários públicos ao do INSS. O projeto foi aprovado, mas o governo nunca o regulamentou. O próximo presidente, qualquer que seja seu matiz, dificilmente escapará de encarar essa questão.

Se essa distorção for resolvida, o Brasil pode adiar mudanças nos prazos de aposentadoria. Os brasileiros podem se aposentar por idade aos 65 anos, no caso dos homens, e 60, no das mulheres, mas é possível deixar de trabalhar antes, conforme o tempo de contribuição ao INSS.